O pai, calado e cabisbaixo, levantou-se do banco, entrou em casa e voltou alguns instantes depois, trazendo um livro na mão. Era um diário, que ele havia escrito muitos anos atrás, quando seu filho ainda era pequeno. Abriu em uma página, estendeu ao filho e mandou-o ler em voz alta. O filho começou:
- Hoje meu filho, que fez três anos há poucos dias, estava sentado comigo em um parque quando um pássaro veio em nossa direção. Meu filho me perguntou 21 vezes o que era aquilo e eu respondi, 21 vezes, que era um pássaro. Eu o abraçava cada vez que ele me fazia a mesma pergunta, sem ficar zangado, sentindo carinho pelo meu pequeno garoto...
O filho não conseguiu mais terminar de ler. Lágrimas rolavam do seu rosto. Ele abraçou e beijou seu pai, arrependido por ter perdido a paciência e tê-lo tratado tão mal"
Como diz o ditado, um pai pode cuidar de 10 filhos, mas 10 filhos não conseguem cuidar de um pai.
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A parte central da Parashá desta semana, Itró, e certamente o evento que mudou a história da humanidade, é a entrega da Torá no Monte Sinai, a primeira e única revelação de D'us para um povo inteiro, mais de 3 milhões de pessoas. D'us começou com a entrega das duas tábuas que continham os 10 Mandamentos. Por que duas tábuas e não apenas uma? Pois a primeira tábua continha os Mandamentos "Bein Adam LaMakom" (Entre o homem e D'us), como, por exemplo, não cometer idolatria nem pronunciar o nome de D'us em vão, enquanto a segunda tábua continha os Mandamentos "Bein Adam Lehaveiró" (Entre o homem e seu semelhante), como, por exemplo, não matar e não cometer adultério. D'us estava nos ensinando que não podemos ser rigorosos apenas no cumprimento das Mitzvót que são relacionadas com Ele, mas lenientes com as Mitzvót relacionadas aos outros seres humanos, pois todo aquele que causa um dano ao seu companheiro, tanto se for algo físico, emocional ou financeiro, é como se também estivesse causando um dano ao próprio Criador.
Mas se observarmos com cuidado os
Mandamentos, surgem algumas perguntas. Por exemplo, o quarto Mandamento é
"Lembre-se do Shabat para santificá-lo" (Shemot 20:8), enquanto o quinto
Mandamento é "Honrarás teu pai e tua mãe, para que se alonguem seus dias sobre a
terra que Hashem, teu D'us, dá para vocês" (Shemot 20:12). Será que existe algum
motivo especial para D'us ter juntado estes dois Mandamentos? A pergunta fica
ainda mais forte quando observamos, na Parashá Kedoshim, que estas duas Mitzvót
são mencionadas juntas no mesmo versículo: "Todo homem deve respeitar sua mãe e
seu pai, e Meu Shabat você deve observar. Eu sou Hashem, teu D'us" (Vayikrá
19:3). Qual a conexão entre estas duas Mitzvót aparentemente tão diferentes?
Além disso, se a primeira tábua traz Mandamentos entre o homem e D'us, por que a
Mitzvá de honrar os pais, que aparentemente é uma Mitzvá entre o homem e seu
semelhante, foi escrita na primeira tábua? E, finalmente, é interessante
perceber que a Mitzvá de honrar os pais é uma das poucas Mitzvót da Torá cuja
recompensa está explicitamente escrita. Mas por que a Torá utiliza a linguagem
"alongar seus dias", ao invés de "aumentar seus dias"? Quem cumpre a Mitzvá de
honrar os pais faz com que seu dia fique mais
longo?
Muitas vezes surgem dilemas morais em nossas
vidas. Por exemplo, um cardiologista que está a caminho do casamento de sua
própria filha e recebe um chamado urgente para operar um paciente que está entre
a vida e a morte, o que ele deve fazer? O que é mais correto, deixar sua própria
filha sozinha na Chupá e salvar a vida de um estranho? Quem pode responder
perguntas deste tipo, onde os dois lados parecem ser
corretos?
Quando D'us nos entregou a Torá, não
recebemos apenas um livro, recebemos um "Manual de instruções" da vida.
Portanto, a Torá deve conter todos os ensinamentos que precisamos para tomar
sempre as decisões corretas, inclusive quando surgem dilemas morais.
Explica Rashi, comentarista da Torá, que a
proximidade entre os assuntos de Shabat e honrar os pais nos ensina a resolver
um difícil dilema moral. A Torá obriga os filhos a respeitarem seus pais, e
também a Torá nos obriga a guardar o Shabat, evitando fazer qualquer atividade
criativa neste dia. Mas o que acontece se os pais nos ordenam a desrespeitar o
Shabat? O que prevalece? A ordem das Mitzvót no versículo nos ensina que devemos
respeitar os pais, mas se eles nos ordenarem a quebrar o Shabat ou qualquer
outra Mitzvá da Torá, estamos isentos de escutá-los. Por que? A explicação está
nas últimas palavras do versículo, "Eu sou Hashem, teu D'us". É como se D'us
estivesse dizendo: "Eu comandei a vocês escutarem seus pais, mas Eu também
comandei seus pais a guardarem Meu Shabat. Por isso, se seus pais ordenarem que
Meu Shabat seja quebrado, vocês estão isentos de escutá-los, pois Eu sou D'us,
Quem criou todas as leis da Torá".
Mas se o ensinamento é em relação a todas as
Mitzvót da Torá, isto é, que estamos isentos de escutar nossos pais se eles
forem contra qualquer uma das 613 Mitzvót que D'us nos comandou, por que
justamente o Shabat foi escolhido para nos transmitir este ensinamento?
Outra grande pergunta, que muitos educadores
tentam responder, é por que os jovens atualmente desrespeitam tanto seus pais?
Não estamos falando de casos extremos, como o de jovens que chegam a utilizar
violência física e moral contra seus pais. A pergunta é sobre a maioria dos
jovens, pessoas normais, mas que tratam seus pais como se fossem colegas de
escola, passando por cima de suas ordens e tomando suas próprias decisões sem
levar em consideração a opinião dos pais. Qual é a fonte deste desrespeito? Por
que os jovens já não escutam mais a orientação e a experiência de seus
pais?
Explica o Rav Yaacov Kamenetzky que a
resposta está justamente na proximidade entre os conceitos do Shabat e de honrar
os pais. O Shabat representa a Emuná (fé) de que D'us criou o mundo em 6 dias e
descansou no sétimo dia. Todo aquele que guarda o Shabat demonstra, através do
seu ato de respeito, que ele acredita que foi D'us Quem criou o universo e o
primeiro homem, Adam Harishon, à Sua imagem e semelhança, isto é, em um nível
espiritual muito alto. Portanto, esta pessoa consegue automaticamente entender
que cada geração acima de nós estava mais próxima da Criação e, portanto, é mais
meritória de receber respeito. Já uma pessoa que acredita que o mundo é uma
grande "coincidência" e que viemos de simples proteínas que se juntaram ao acaso
e formaram a vida, quanto mais a geração se afasta do "Big Bang", mais evoluída
se torna. Portanto, cada nova geração se sente mais meritória do que a anterior.
O próprio Rav Yaacov Kamenetzky, quando já
tinha certa idade, vivenciou este conceito ao viajar de avião acompanhado por
seus filhos e netos. Ao seu lado viajava um professor israelense não-religioso
que durante toda a viagem observou, surpreso, os netos do rabino vindo a todo
instante para servi-lo ou apenas para verificar se estava tudo bem. Ele
questionou como o rabino conseguia ter netos que o respeitavam tanto, já que ele
também tinha alguns netos, mas que não lhe davam o mínimo respeito. O rabino
respondeu que o professor havia ensinado aos seus netos que eles descendiam do
macaco. Portanto, cada geração que passa se afasta mais dos macacos e torna-se
mais evoluída e, portanto, era ele quem deveria honrar seus netos. Já os netos
do rabino haviam aprendido que eles descendem de Adam Harishon, um ser criado à
imagem e semelhança de D'us, e cada geração que passa vai sofrendo uma queda
espiritual e se afastando da criação inicial. Portanto, eles entendem que o avô
está em um nível mais elevado que eles e, por isso, o respeitam
tanto.
A visão judaica nos ajuda a ver o passado
com um brilho especial, justamente ao contrário da Cultura Ocidental, que
enfatiza o progresso e vê o passado como algo velho e decadente. O judaísmo
enfatiza que devemos viver de acordo com os ensinamentos da Torá, que foram
entregue há mais de 3 mil anos e, apesar disso, continuam completamente atuais.
Em Lashon Hakodesh, a palavra "progresso" é "Kadima", que vêm da mesma raiz de
"Kedem", que significa "passado". Segundo a Torá, o progresso verdadeiro deve
estar conectado com os valores do passado, pois estes valores verdadeiros e
eternos podem nos ajudar muito em nossas vidas. Se não há respeito pelo passado,
não há futuro.
É por isso que atualmente os jovens
não respeitam mais seus pais, pois em suas vidas D'us não está mais presente.
Para a juventude, a religião tornou-se algo mecânico, que se pratica apenas nas
poucas vezes em que vão à sinagoga, sem nenhuma importância para seu cotidiano.
Por isso, o respeito aos pais virou algo antiquado. Nos sentimos mais modernos
que nossos pais, pois conhecemos melhor do que eles os computadores, os Ipads e
os smartphones. Apenas nos esquecemos que
eles têm algo que demoraremos muito para ter: experiência de
vida.
Portanto, isto ajuda a explicar por que a
recompensa de honrar os pais é "alongar seus dias". No nosso dia-a-dia, por
inexperiência, perdemos muito tempo. Por causa de pequenos erros muitas vezes
precisamos refazer as mesmas coisas várias vezes. Por isso, aquele que honra
seus pais e escuta seus ensinamentos, que aproveita a experiência de vida que
eles têm a oferecer, aproveita muito melhor seu tempo e evita muitos erros,
fazendo com que seus dias sejam mais bem vividos, como se fossem mais
longos.
Qualquer ser humano é criado através de uma
"sociedade" entre o pai, a mãe e D'us. Portanto, quando um filho honra seus
pais, D'us também é honrado, pois Ele diz: "Se eu estivesse ali com eles, também
estaria recebendo esta honra". Mas se um filho não respeita seus pais, D'us
também se sente desrespeitado e diz: "Se eu estivesse ali com eles, também
estaria sendo desrespeitado". É por isso que o quinto Mandamento, que nos
comanda a honrar nossos pais, apesar de ser entre o homem e seu semelhante, está
na primeira tábua, junto com os outros Mandamentos entre o homem e
D'us.
SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm
Ex. 18:1-20:26, Is. 6:1-7; 9:6-7, Mt. 5:8-20
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