André Eler e Marcelo Sperandio
Manobra do governo adia a votação da legislação que concilia proteção da natureza com os interesses do agronegócio. Mas ela deve ser aprovada
O Brasil tem a legislação ambiental mais rigorosa do planeta. É o único pais que exige que seus agricultores mantenham reservas de mata natural dentro de suas fazendas. Detém as maiores áreas de preservação. Atribui multas milionárias e prisão a quem infringe as regras. Mas esse aparato só funciona no papel. As florestas continuam sendo derrubadas, as multas não são pagas e são raros os devastadores que vão para a cadeia. Parte do desrespeito às normas pode ser explicada por suas exigências draconianas. Se a lei fosse totalmente cumprida, as lavouras de uma área equivalente a 10% do território nacional teriam de ser substituídas por matas. O faturamento da agricultura cairia 71 bilhões de reais e 5,7 milhões de pessoas perderiam o emprego. A lei atual também é incoerente, porque possibilita novos desmatamentos em outras áreas. O deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) dedicou-se por dois anos a corrigir essas distorções. Sua proposta do novo Código Florestal deveria ter sido votada na semana passada. Momentos antes de o texto ir a plenário, contudo, os lideres dos partidos da base aliada cederam a um apelo do Palácio do Planalto para adiar a apreciação.
O projeto que os deputados deveriam ter votado é a primeira iniciativa coerente de modernização das leis ambientais. O novo Código Florestal define regras capazes de conciliar a preservação da singular biodiversidade dos ecossistemas brasileiros com os interesses dos produtores agrícolas, sobretudo os pequenos. Se aprovado, desatará os nós que entravam a agricultura e a pecuária e que jogaram na ilegalidade 90% dos produtores rurais do país. Pelas normas atuais, aprovadas há treze anos, quem desmatou além de 20% de uma propriedade na Amazônia é obrigado a reconstituir a vegetação até esse limite. Mas, se ainda tem a extensão 100% preservada, pode des-matar 20% dela. Para evitar novas derrubadas, a proposta de Rebelo não obriga o proprietário a reconstituir o que foi derrubado antes de 2008 e estimula o aproveitamento das terras que já perderam a cobertura vegetal original. Quem não derrubou nada pode fazê-lo até 20% da extensão da propriedade, como na atual legislação. Tenta, assim, conservar 61% de território nacional que permanece intacto.
A legislação de 1998 jogou na ilegalidade culturas tradicionais no país. Ficaram nessa situação os paulistas que plantam café na Mojiana e banana no Vale do Ribeira, os produtores de leite de Minas Gerais, os de maçã de Santa Catarina e os arrozeiros e vinicultores gaúchos. Todas essas culturas são irregulares, porque são feitas em encostas ou antigas matas ciliares. Pelas regras atuais, os morros com inclinação de 25 a 45 graus devem ser abandonados e a vegetação das margens de rios e riachos, reconstituída até 30 metros além do ponto máximo de seu curso nas cheias. O texto de Rebelo proíbe novos desmatamentos nessas áreas, mas isenta os pequenos produtores da obrigação de reflorestar. Reduz a restauração da mata natural a 15 metros do curso normal dos rios e libera morros e encostas que já abrigam lavouras de café, uva, maçã e eucalipto ou para o pastoreio. Restitui, assim, segurança jurídica a agricultores e pecuaristas, que respondem por 30% do PIB, 17% da mão de obra empregada e 42,5% das exportações nacionais.
A tendência é que essas mudanças sejam aprovadas tão logo cheguem ao plenário da Câmara. Prova disso é que 399 dos 513 deputados aprovaram a sua apreciação em regime de urgência. Mesmo com as alterações, o Brasil continuará a ter a legislação mais rigorosa do mundo. No último mês, o deputado Aldo Rebelo incluiu em seu texto alterações reivindicadas pelo governo. por ambientalistas e agricultores. Na semana passada, quando o projeto já estava encaminhado para votação. o Planalto sucumbiu à pressão dos ecologistas xiitas. A presidente Dilma Rousseff ficou com receio de reforçar sua fama de "inimiga da natureza" — angariada por ela ter defendido a construção de hidrelétricas na Amazônia. A capitulação do executivo fraturou a base governista. O PMDB, favorável ao projeto, ameaçou não votar mais nada enquanto o código não for apreciado. O Planalto concordou em não criar obstáculos para a votação nesta semana. Afinal de contas, já obteve o que queria. Transferiu o ônus da aprovação para o Congresso e para Rebelo. Poderá dizer que tentou derrubar o novo Código, sem sucesso. Coisas da política.
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