Há cerca de 30 anos um rabino americano que visitava Miami fez uma palestra sobre a vida do famoso rabino Isroel Meir HaCohen, o "Chafetz Chaim". Ele contou como o grande sábio, que apesar de ser muito humilde, chegou a ser reconhecido como um dos maiores Tsadikim (Justos) de sua geração.
Dentre as histórias que o rabino desejava contar, havia uma que estava incompleta. Mas ele decidiu que a contaria mesmo assim, pois trazia uma mensagem significativa. O rabino começou a relatar um incidente que ocorreu quando um jovem aluno da Yeshivá do Chafetz Chaim certa vez foi flagrado por outros alunos fumando um cigarro em pleno Shabat – o dia sagrado de descanso. Os professores e alunos ficaram chocados, e alguns membros do corpo docente achavam que o garoto deveria ser imediatamente expulso. No entanto, quando o Chafetz Chaim soube da história, pediu que o rapaz fosse levado à sua casa.
O rabino então interrompeu a narrativa e disse:
- Não sei o que o Chafetz Chaim disse ao garoto, sei apenas que eles ficaram juntos por alguns minutos. Eu daria tudo para saber o que ele disse ao seu aluno, pois depois disso o rapaz nunca mais profanou o Shabat. Como seria maravilhoso se pudéssemos transmitir aquela mensagem a outros, para encorajá-los em sua observância do Shabat.
Quando o rabino terminou a palestra, o salão esvaziou-se, restando apenas um homem idoso, que permaneceu em seu assento, imerso em seus pensamentos. À distância parecia que ele estava tremendo, como se estivesse chorando. O rabino foi até ele e perguntou se estava tudo bem. O homem, ao invés de responder, perguntou ao rabino de quem ele havia escutado aquela história do cigarro no Shabat. O rabino não se lembrava quem havia contado, pois havia escutado há muito tempo. O homem idoso levantou os olhos, olhou fixamente para o rabino e disse baixinho:
- Rabino, aquele menino era eu.
O rabino ficou chocado. Implorou ao homem idoso que contasse os detalhes do que havia acontecido. O homem contou a seguinte história:
- Este incidente ocorreu por volta de 1920, quando o Chafetz Chaim beirava os oitenta anos. Eu estava apavorado por ter de ir à casa dele e encará-lo. Quando cheguei à sua casa, não acreditei na pobreza na qual ele vivia. Era inconcebível para mim que um homem de sua importância ficasse satisfeito em viver num ambiente assim tão simples. De repente, ele apareceu na sala onde eu o estava aguardando. Ele tomou minha mão e apertou-a, ternamente, entre as suas. Levou minha mão até seu rosto e seus olhos se fecharam por uns momentos. Quando ele os abriu, estavam repletos de lágrimas. Disse-me então, numa voz baixa, cheia de sofrimento: 'Shabat!' E começou a chorar. Ainda estava segurando minhas mãos, e enquanto chorava, repetia: 'Shabat, o sagrado Shabat!'
Meu coração disparou - continuou o homem idoso - e fiquei mais assustado do que jamais estivera na vida. As lágrimas rolavam em seu rosto e uma delas caiu na minha mão. Senti um imenso calor, pensei que aquela lágrima fosse abrir um buraco na minha pele. Hoje em dia, quando penso naquela lágrima, ainda posso sentir seu calor. Não posso descrever como me senti mal por saber que eu tinha feito o grande Tsadic chorar. Mas em sua bronca, que foram apenas aquelas poucas palavras, senti que ele não estava bravo comigo, mas sim triste. Ele se importava comigo, parecia preocupado com as conseqüências dos meus atos.
O homem idoso então acariciou a mão, que possuía a cicatriz invisível de uma lágrima preciosa. Ela havia se tornado um lembrete permanente, que o ajudou a observar o 'sagrado Shabat' pelo resto da vida.
*******************************************
A Parashá desta semana, Emor, termina com um incidente em que um judeu, filho de uma mulher judia e um homem egípcio, amaldiçoa a D'us em público, como diz o versículo: "O filho da mulher israelita pronunciou o nome de D'us e O amaldiçoou. Então o trouxeram para Moshé... e o colocaram na prisão para esclarecer através de D'us" (Vayikrá 24:11,12). Como o homem havia cometido um crime cuja punição não estava explícita na Torá, prenderam-no momentaneamente até que Moshé se aconselhasse diretamente com D'us para saber exatamente qual pena deveria ser aplicada.
Explica Rashi, comentarista da Torá, que este blasfemador de D'us não era o único que estava preso. Neste mesmo período outro homem também estava temporariamente na prisão aguardando seu veredicto. Ele havia desrespeitado publicamente o Shabat, diante de testemunhas. Apesar da Torá determinar que ele deveria receber pena de morte, não estava explícita de qual forma esta pena seria aplicada, já que na Torá existem quatro diferentes formas de aplicar a pena de morte. Portanto o homem também estava preso até que Moshé questionasse diretamente D'us como proceder.
Rashi, citando o Midrash (parte da Torá Oral), nos traz um detalhe interessante, mas aparentemente sem nenhuma grande importância. Ele explica que, apesar dos dois estarem presos no mesmo período, eles foram colocados em celas diferentes, de maneira que um não tivesse absolutamente nenhum contato com o outro. Mas por que eles não foram colocados na mesma cela? E por que o Midrash precisou nos contar que havia dois prisioneiros, se eles não tiveram nenhum contato entre si?
Explica Rashi que teoricamente os dois deveriam ter sido presos juntos, mas Moshé entendeu que havia a necessidade de separá-los, pois existia uma grande diferença entre o homem que blasfemou D'us e o homem que desrespeitou o Shabat. Aquele que desrespeitou o Shabat já sabia que teria uma pena de morte, apenas a forma de aplicar a pena seria definida por D'us. Já o blasfemador não tinha idéia qual seria a sua pena, poderia também ser pena de morte ou poderia ser outra pena bem mais leve. Mas como entender as palavras de Rashi? Por que esta diferença seria motivo para separar os dois homens?
Nos ensina o Rav Mordechai Gifter que se os dois homens tivessem sido colocados juntos, teriam passado por sofrimentos desnecessários. O blasfemador olharia para o outro prisioneiro, que estava condenado à morte, e pensaria que sua pena também seria a morte mesmo antes do veredicto final. Já o homem que desrespeitou o Shabat, caso o blasfemador não recebesse pena de morte, também sofreria. Quando alguém tem um sofrimento, ele se consola ao saber que outras pessoas estão sofrendo como ele. Uma pessoa que está em uma má situação sente dor quando vê que seu companheiro não está sofrendo no mesmo nível. Portanto a separação foi um ato de sensibilidade, uma forma de não causar sofrimentos desnecessários.
Mas fica uma pergunta: será que esta preocupação era realmente necessária? As duas pessoas em questão, que haviam cometido crimes muito graves, mereciam que sua dor fosse minimizada? Além disso, os dois acabaram sendo condenados à pena de morte, então por que se preocupar com um pouco de sofrimento a mais?
Deste episódio aprendemos o grau de sensibilidade com as pessoas que a Torá exige de nós. Mesmo com pessoas que cometerem transgressões graves, mesmo que ambos haviam sido condenados à pena de morte, a Torá nos proíbe de causar qualquer sofrimento desnecessário a eles. Neste caso a solução foi simples, apenas a separação dos dois prisioneiros foi suficiente, mas mesmo se outros esforços fossem necessários para evitar um sofrimento desnecessário, estaríamos obrigados a nos esforçar.
Podemos utilizar este ensinamento para o nosso cotidiano. Muitas vezes em nossas vidas há situações onde somos obrigados a dar uma bronca em alguém que fez algo de errado. Por exemplo, nos nossos filhos, alunos ou até mesmo amigos. A Torá nos ensina a ser cautelosos para não causar mais sofrimento do que a pessoa realmente merece. E muitas vezes, no lugar onde gritos não funcionariam, uma demonstração de amor e de preocupação com o mau ato que a pessoa fez tem um efeito muito maior, como ocorreu na história do Chafetz Chaim. Talvez o aluno merecesse uma grande bronca, quem sabe até mesmo a expulsão. Mas se ele tivesse gritado com seu aluno ou, pior ainda, se o tivesse expulsado imediatamente da Yeshivá, certamente o aluno teria se desviado completamente dos caminhos da Torá. A atitude do Chafetz Chaim foi completamente diferente, ele demonstrou amor pelo aluno, demonstrou que se importava com as coisas que ele fazia, tocando profundamente no coração dele.
Portanto, sempre que tivermos razão em uma discussão e uma grande bronca for justificável, o ideal é tentar antes de outra maneira. Como ensinam nossos sábios: "coisas que saem do coração entram no coração". Se a pessoa que errou sentir que a bronca que está recebendo é por amor, para ajudá-la a melhorar algo, então será bem recebida, não sendo necessários gritos ou ameaças. Assim estaremos resolvendo nossos problemas e ajudando aos outros sem correr o grande risco de estar causando sofrimentos desnecessários.
SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com/
Nenhum comentário:
Postar um comentário