Gazeta do Povo Online
Kátia Abreu
A aplicação pura e simples da atual legislação desempregará trabalhadores e reduzirá a produção de alimentos, prejudicando o abastecimento da população
Os produtores rurais brasileiros, com civilidade e paciência, vêm aguardando há mais de 15 anos que o Congresso Nacional vote a reforma e modernização do nosso anacrônico Código Florestal, cujas normas põem na ilegalidade 90% da produção agropecuária brasileira.
Finalmente, em julho de 2010, uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados, integrada por parlamentares de todos os partidos, aprovou um texto relatado pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), pela maioria esmagadora de seus membros.
Passado quase um ano, forças políticas minoritárias e intransigentes continuam resistindo à votação da matéria, sob o pretexto de se alcançar um consenso absoluto ou uma unanimidade, que não são próprios das decisões democráticas, em que deve prevalecer a vontade da maioria.
A CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) e os produtores rurais de todo o Brasil não podem aceitar mais o adiamento dessa decisão e confiam que deputados e senadores estão prontos e preparados para decidir de acordo com os interesses do País, pois o parlamento é a melhor e definitiva instância de decisão.
Os brasileiros precisam saber que a reforma do código que defendemos não implicará, por si, o aumento do desmatamento. O País tem ao todo uma extensão de 851 milhões de hectares, dos quais 519 milhões estão inteiramente preservados com sua cobertura vegetal original e apenas 236 milhões, 27,7%, ocupados com produção agropecuária.
As novas regras não alteram essa impressionante relação, apenas pouparão os produtores de destruir os atuais campos de produção de alimentos para neles tentarem reconstituir florestas, sem provas de que isso seja possível, nem dos seus efetivos benefícios ambientais.
A aplicação pura e simples da atual legislação desempregará trabalhadores e reduzirá a produção de alimentos, prejudicando o abastecimento da população e a obtenção de saldos cambiais para equilibrar nosso fragilizado balanço de pagamentos com o exterior.
Como cidadãos democratas, estamos e sempre estivemos abertos ao diálogo, à transigência e à negociação. Mas, depois de tanto tempo, tantas discussões e tantos esclarecimentos, a modernização do Código só terá sentido e utilidade se contemplar alguns pontos essenciais.
A questão central para os produtores rurais é a fixação de uma data de corte, conforme decidir a maioria parlamentar, estabelecendo-se a definitiva consolidação e legalização das áreas de produção abertas e exploradas até este momento, com a correspondente dispensa de recomposição de reserva legal, em todos os tamanhos de propriedade. Nos casos específicos, representa o arquivamento dos processos administrativos e judiciais que tenham sido instaurados em virtude da inexistência dessa reserva legal, bem como a extinção de multas e infrações que tenham sido aplicadas por esse motivo.
A descriminalização de 90% dos produtores beneficiará principalmente os pequenos e médios agricultores, que somam 86% de todos os produtores rurais do Brasil.
Em apoio a essa posição, é muito importante esclarecer a todos os brasileiros que nenhum dos países grandes produtores agrícolas do mundo, que competem com o Brasil – Estados Unidos, Europa, China, Argentina e Austrália –, obriga seus produtores a preservar qualquer porcentual de reserva legal em suas propriedades, nem cogita replantar a vegetação nativa em seus campos de produção de alimentos.
Não é justo, nem honesto, diminuir a nossa produção de alimentos para recompor reserva legal e futuramente termos de importar comida para o consumo interno de países que não têm Código Florestal, muito menos reserva legal.
Ao lado dessa questão central, defendemos também que a competência para legislar sobre a questão seja compartilhada entre a União e os estados. Dada a grande diferenciação geográfica de nosso país, uma única norma originária do poder central não contempla apropriadamente nossa diversidade, nem considera os legítimos interesses das comunidades regionais.
O relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), apesar de não contemplar todas as reivindicações dos produtores rurais do Brasil, poderá conter grandes avanços e restaurar a racionalidade crítica nessa questão, devolvendo a segurança a quem investiu todos os seus meios e o seu destino para criar a grande agricultura brasileira, patrimônio natural de todo o País.
Kátia Abreu, senadora, é presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
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