segunda-feira, 30 de maio de 2011

Brasil - a desordem do progresso

O Estado de S. Paulo

Antonio Corrêa De Lacerda
O caderno de Economia do Estadão (22/5, B1) trouxe interessante matéria, aprofundada nas suas páginas internas, sobre o que denominou "as dores do crescimento", ou a nova realidade do País nos últimos anos, nos quais a expansão da economia também tem exposto muitas das nossas fragilidades.
A economia brasileira cresceu 4% ao ano, em média, no período 2003-2010, número que deve se repetir em 2011, o equivalente ao dobro da média observada de 1990 a 2002. O aumento da demanda decorrente se expressa nas filas em aeroportos, bares, restaurantes, hotéis e muitos outros locais, sem que tivesse havido uma expansão da oferta no mesmo ritmo.
No caso da infraestrutura, apesar de ter havido um expressivo aumento dos investimentos nos últimos anos, ainda há muitas carências, o que se reflete na falta, ou na má qualidade, de estradas, portos, aeroportos, etc... É muito importante que o poder público acelere os investimentos sob a sua responsabilidade e melhore o ambiente de negócios, para que as empresas também ampliem seus investimentos nessas áreas.
O mesmo se aplica a uma carência de determinados profissionais. Isso tem ocorrido tanto em carreiras especializadas, como engenharia, por exemplo, quanto em outras profissões que não exigem tanta qualificação - mas também temos carência em profissões como empregadas domésticas e em outros serviços pessoais.
No caso das áreas de engenharia, conheci muita gente com excelente formação, mas que, por causa do baixo dinamismo da economia nos anos 80 e 90, acabava desistindo da profissão, seja pela dificuldade de obter um emprego ou porque não se sentia satisfeita com a remuneração e demais condições de trabalho, especialmente na construção civil. Quem teve chance migrou para áreas mais atrativas, como o mercado financeiro ou o serviço público. É obvio que essa situação desestimulou os novos pretendentes.
Isso tem causado duas evidências: a primeira é a carência de profissionais no curto prazo; e a outra decorrente é o crescimento dos preços. Os serviços tiveram seus preços majorados em 10% nos últimos 12 meses, praticamente o dobro do comportamento dos preços dos produtos que enfrentam maior concorrência.
O fato é que o longo período de baixo crescimento da economia brasileira também estagnou a capacidade de investimentos do governo e da iniciativa privada. Afinal, por que uma empresa investiria na expansão do seu negócio se a demanda esperada não crescia substancialmente?
A nova realidade brasileira de maior crescimento da economia nos últimos anos decorre de aspectos favoráveis no mercado internacional, como, por exemplo, os preços dos produtos básicos que exportamos (as commodities), mas também de políticas econômicas e sociais que favoreceram o crescimento da renda e do emprego.
O fato é que conseguimos combinar uma inflação razoavelmente controlada com crescimento da economia e melhora da distribuição de renda, o que fez com que cerca de 30 milhões de brasileiros tivessem ascendido na escala social nos últimos anos. Esse é um bom problema, porque nos desafia a apresentar soluções criativas e rápidas para uma economia pujante. É exatamente o inverso do que ocorre com muitos países em crise, na Europa e outras regiões onde o desafio é como garantir uma vida digna para milhões de pessoas que perderam seus empregos e não têm nenhuma perspectiva de obter um novo posto por alguns anos.
O lema "Ordem e Progresso", como expresso em nossa Bandeira Nacional, denota muito do povo brasileiro, talvez mais no que se refira ao seu espírito pacífico e expressiva tolerância étnica, religiosa e racial. Na economia, no entanto, é a desordem provocada pelo crescimento não programado que está ativando a demanda. Não é o desenvolvimento que deve ser contido, mas sim criarmos as condições para garantir a expansão da oferta, via melhora da infraestrutura e ampliação da capacidade da produção e de serviços.
Ao contrário do que ocorre em países maduros, nos quais a população está estagnada há anos, têm elevada renda per capita e um nível adequado de qualidade de vida, o Brasil enfrenta o desafio de proporcionar ascensão social a milhões de pessoas que vivem em condições precárias, assim como gerar cerca de 2 milhões de empregos para absorver os novos ingressantes do mercado de trabalho. O Brasil não se pode dar ao luxo de não crescer!
É preciso resgatar e aprimorar o instrumento do planejamento público e privado e acelerar a implementação dos projetos, sem interromper o ciclo virtuoso da economia. Até mesmo porque o que motiva os investimentos privados é uma expectativa favorável de ampliação continuada da demanda. Ninguém investe numa economia estagnada.
Enquanto isso, as "dores do crescimento" serão inevitáveis. Elas incomodam, mas são bem menos agudas que as dores da estagnação ou, pior ainda, da crise e da recessão. Convém-nos enfrentá-las com determinação, até mesmo porque representam muito mais uma oportunidade do que uma ameaça, desde que superadas o mais rápido possível.
ECONOMISTA, DOUTOR EM ECONOMIA PELO IE/UNICAMP, PROFESSOR DA PUC-SP E DA FUNDAÇÃO DOM CABRAL, FOI PRESIDENTE DO COFECON E DA SOBEET

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