Gazeta do Povo Online
Kátia Abreu
Somos tratados como predadores perigosos, carentes de tutela internacional, discurso que espantosamente sensibiliza (e mobiliza) setores internos formadores de opinião
A velha máxima do “dividir para reinar” (divide et regna), observada desde a Antiguidade e chancelada por Maquiavel, em O Príncipe, tem sido aplicada sistematicamente ao Brasil. A segmentação da sociedade pelos assim chamados movimentos sociais gerou em seu entorno uma legião de ONGs – estrangeiras em grande parte –, que, em vez de gerar avanços, indispõem os diversos grupos, levando o país à divisão e à paralisia.
O resultado é um país que luta contra si mesmo. Isso é particularmente nítido – e grave – em setores em que o país é pujante e projeta sua inevitável expansão na economia internacional: minérios, energia, alimentos, meio ambiente. Qualquer iniciativa para que esse extraordinário potencial seja explorado – é o caso presente das hidrelétricas de Jirau e Belo Monte – provoca a ação imediata dessas ONGs, colocando em cena exércitos de lobistas, que, em nome do politicamente correto, empenham-se em sabotar o empreendimento. Pior: quase sempre conseguem.
Grandes empresários brasileiros confessam-se reféns dessas ONGs, às quais apoiam, inclusive financeiramente, para, segundo um deles me confidenciou, “preservar sua reputação”. É um quadro análogo ao das milícias nos morros cariocas ou da Máfia italiana que cobra para dar proteção. No caso em pauta, trata-se de pedágio moral: ou paga ou é difamado.
Temos o maior potencial hídrico do mundo, a maior biodiversidade, um subsolo riquíssimo, a maior extensão territorial contínua de terras agricultáveis do planeta, mas estamos impedidos de tocar nesse patrimônio que a natureza nos oferece.
Somos tratados como predadores perigosos, carentes de tutela internacional, discurso que espantosamente sensibiliza (e mobiliza) setores internos formadores de opinião. A ninguém ocorre averiguar que os países que sediam essas ONGs não praticam o discurso que difundem e nem sequer dispõem de meio ambiente para cuidar, de vez que já o liquidaram por inteiro.
A estratégia é engenhosa. Inoculam o vírus ideológico, produzindo crises onde não há. É o caso do meio rural, em que há anos proliferam invasões criminosas de terras produtivas, coordenadas pelo MST, que nem personalidade jurídica possui.
É marca de fantasia, sustentada por expressivos recursos externos, em nome da reforma agrária, pretexto para deter a produção rural, que, não obstante, garante há anos emprego e renda no campo, além de sucessivos superávits na balança comercial. Passamos, em quatro décadas, de importador de alimentos a segundo maior produtor mundial da melhor e mais barata comida do mundo. Tudo isso em meio a um ambiente que investe no conflito artificial entre trabalhador e produtor rural: este demonizado como exterminador do futuro, aquele como sua vítima histórica.
Há algo de novo no ar, que está desorientando essas ONGs, braços de interesses econômicos internacionais. O discurso desconstrutivista não está funcionando em relação à reforma do Código Florestal. Mesmo os setores tradicionalmente alinhados com o discurso sabotador dessas ONGs estão reagindo.
Nenhuma causa recente produziu o ecumenismo que se registra em relação à reforma do Código. PT, PCdoB, PMDB, DEM, PSDB e demais partidos se mostram determinados a votar o relatório do deputado Aldo Rebelo, que teve o cuidado de ouvir a todos e acatar todas as ponderações pertinentes. Restou às ONGs e a seus porta-vozes parlamentares o recurso de sempre: tentar tirar o tema do âmbito do Congresso para que seja resolvido de forma autoritária pelo Executivo, por meio de expedientes como decretos ou medidas provisórias.
Com esse objetivo, já houve dois adiamentos da votação, que agora, graças a novo acordo interpartidário, deve ocorrer hoje. Não há mais como protelar a hora da verdade.
Não é casual, nem irrelevante, o fato de que há 46 anos o Congresso Nacional não legisla sobre questões ambientais, sempre a cargo dos burocratas do Executivo. O Código Florestal vigente, de 1965, já recebeu mais de 60 emendas, por decretos e medidas provisórias, sem qualquer participação do Congresso ou da sociedade.
É a esse quadro, absurdo e intolerável, que o Congresso agora reage, numa votação que tem tudo para ser um marco divisor nas relações do país consigo mesmo, para além do varejo político.
Kátia Abreu, senadora da República pelo estado do Tocantins, é presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
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