Em artigo recente, João Mellão Neto define muito corretamente o espírito do conservadorismo, mas falha em explicar por que a direita se enfraqueceu no Brasil ao ponto de todos os candidatos, nas duas últimas eleições presidenciais, serem de esquerda. (ver
Isto aconteceu, diz ele, porque a direita apoiou a ditadura e a ditadura não respeitou os direitos humanos. Esse diagnóstico revela mais sobre a mente que o produziu do que sobre os fatos a que pretende aludir.
Mellão, com toda a evidência, aceitou a narrativa histórica dos adversários e argumenta contra eles numa perspectiva que, no fim das contas, continua sendo a deles.
Ninguém entenderá a história do período militar sem estar consciente de que em 1964 não houve um golpe, porém dois: o primeiro removeu do poder um governante odiado pela população, que foi às ruas aplaudir entusiasticamente a derrubada do trapalhão esquerdista. O segundo, meses depois, traiu a promessa de restauração democrática imediata e iniciou o longo e deprimente processo de demolição das lideranças políticas conservadoras, substituídas, no poder, por uma elite onipotente de generais e tecnocratas "apolíticos".
A grande ironia das duas décadas de governo militar foi que este, movendo céus e terras para liquidar a esquerda armada, nada fez contra a desarmada, mas antes a cortejou e protegeu, permitindo que assumisse o controle de todas as instituições universitárias, culturais e de mídia, fazendo daqueles vinte anos "de chumbo" uma época de esfuziante prosperidade da indústria das ideias esquerdistas no Brasil.
Vasculhem a história do período e verão que, se o governo perseguia e amaldiçoava a violência guerrilheira, ao mesmo tempo nada fazia para combater o comunismo no plano ideológico, muito menos para ensinar à nação o valor perene dos princípios conservadores, que pouco a pouco foram caindo no total esquecimento até tornar-se como que uma língua estrangeira, desaparecida do cenário público decente já antes de os líderes esquerdistas mais notórios voltarem do exílio.
À imperdoável omissão dos governos militares no campo da guerra cultural e ideológica somou-se o desprezo da clique oficial pela classe política e as grandes lideranças conservadoras foram sendo apagadas, uma a uma, como velas sob um vendaval.
Foi durante aquele regime que vozes poderosas do campo conservador, como as de Carlos Lacerda e Adhemar de Barros, foram caladas, enquanto outras, como as de Pedro Aleixo e Paulo Egídio Martins, foram menosprezadas e esquecidas, e outras ainda, como a de Roberto de Abreu Sodré, acabaram se acomodando à mediocridade oficial até perderem toda relevância própria.
Tanto foi assim que, quando o governo Geisel deu sua virada à esquerda, adotando uma política nuclear antiamericana, estimulando o mais obsceno "terceiromundismo" na diplomacia e até fornecendo armas, dinheiro e assistência técnica para Fidel Castro invadir Angola, não se ouviu um protesto sequer das lideranças civis.
A única resistência que apareceu, vinda do campo militar por meio do valente general Sylvio Frota, foi logo sufocada sob acusações de "golpismo" e aplausos gerais ao presidente triunfante que estrangulara a "linha dura".
Nas universidades, a direita foi sistematicamente preterida na distribuição de verbas e cargos, que a generosidade insana do governo prodigalizava aos esquerdistas na ilusão de neutralizá-los ou seduzi-los (o processo, de indecência sem par, é descrito em http://www.ecsbdefesa.com.br/defesa/fts/QTMFB.pdf) pelo estudioso venezuelano Ricardo Vélez Rodriguez, um dos mais abalizados conhecedores da vida universitária no Brasil).
Até mesmo no jornalismo foi ainda durante o período militar que a esquerda assumiu de vez o controle das redações (v. meus artigos em
http://www.olavodecarvalho.org/semana/111124dc.html; http://www.olavodecarvalho.org/semana/111125dc.html
e http://www.olavodecarvalho.org/semana/111130dc.html), enquanto porta-vozes fulgurantes do pensamento conservador, como Gustavo Corção, Lenildo Tabosa Pessoa e Nicolas Boer, iam sendo jogados para escanteio sem que ninguém desse pela sua falta.
A direita pensante e atuante foi, literalmente, esmagada pela ditadura, que ao mesmo tempo, na esperança idiota de dividir os adversários e ganhar o apoio de uma parte deles, abria as portas e os cofres das instituições de cultura para o ingresso da revolução gramsciana.
Quando terminou a era dos governos militares, em 1988, só o povão mudo, desprovido de canais para fazer valer suas opiniões, era ainda conservador no Brasil, enquanto o espaço cultural inteiro – mídia, movimento editorial, universidades, escolas secundárias e primárias, etc. – já era ocupado, gostosamente, pela multidão de tagarelas da esquerda que ainda mandam e desmandam no panorama mental brasileiro.
Aos sucessos retumbantes que obteve na economia e no combate às guerrilhas, a ditadura aliou, em triste compensação, uma cegueira ideológica indescritível, que expulsou a direita do cenário público e entregou o espaço àqueles que até hoje o dominam.
Cabe, nesse contexto, lembrar mais uma vez o dito de Hugo Von Hofmannsthal, segundo o qual nada está na política de um país que primeiro não esteja na sua literatura (tomada em sentido amplo de alta cultura). A direita saiu da política nacional porque, com a complacência e até a ajuda do governo militar, foi primeiro banida da cultura nacional.
Olavo de Carvalho é ensaísta, jornalista e professor de Filosofia
Fonte: www.dcomercio.com.br/index.php/opiniao/sub-menu-opiniao/83265-porque-a-direita-sumiu
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