O Estado de S. Paulo |
José Serra |
O desempenho da economia brasileira em 2011 foi modesto: o PIB cresceu menos de 3%, a segunda pior performance desde 2004 |
O
freio da economia foi a indústria de transformação, que permaneceu
estagnada.
A produção de bens de consumo durável declinou
quase 2%. Pior foi o caso dos não duráveis: no ramo têxtil, a produção caiu 15%;
em calçados e artigos de couro, -10%; no vestuário, -3,3%. De fato, o setor
industrial anda de lado, ou, dependendo de onde, para trás. Até hoje não retomou
o nível de produção anterior à crise de 2008-2009.
O leitor pode perguntar-se: como é possível isso,
se o consumo nos últimos anos aumentou tão rapidamente? Desde 2007 as vendas a
varejo cresceram perto de 40% reais; em 2011, 5%.
A resposta é simples: crescem vertiginosamente as
importações de produtos manufaturados. O déficit da balança comercial da
indústria de transformação em 2011 (janeiro/novembro) cresceu 37% em relação a
2010, chegando a US$ 44 bilhões! Em 2006 a balança era superavitária em US$ 30
bilhões. Assim, boa parte dos empregos gerados pela febre de consumo dos últimos
anos foi para o exterior.
Há uma desindustrialização em marcha no Brasil.
Além do encolhimento do setor em relação ao PIB (faz mais de uma década), há uma
desintegração crescente de cadeias produtivas, tornando algumas atividades
industriais parecidas com as "maquiadoras" mexicanas.
Mas atenção! Os produtos manufaturados que
importamos não são mais baratos e os que exportamos, mais caros porque a
indústria brasileira seja mais ineficiente que a chinesa ou a coreana, embora,
pouco a pouco, num círculo vicioso, isso possa ocorrer. A explicação principal é
o elevado custo sistêmico da economia brasileira.
Primeiro, a carga elevada e distorcida de impostos
sobre a indústria. Um exemplo simples: de cada R$ 1 do custo do kw de energia
elétrica, R$ 0,52 vão para tributos e encargos setoriais!
Segundo, a péssima infraestrutura. O governo
federal destina pouco para investir e investe pouco daquilo que destina, em
razão de falta de planejamento, prioridades e capacidade executiva. O País
realiza um dos menores investimentos públicos do mundo como fração do PIB. Mais
ainda, por causa desses fatores, acrescidos de populismo e preconceitos, os
governos do PT não conseguiram fazer parcerias amplas com o setor privado na
infraestrutura.
Há uma terceira condição decisiva para a
desindustrialização: a persistente sobrevalorização da moeda brasileira ante as
moedas estrangeiras - cerca de 70% desde 2002, segundo estimativa de Armando
Castelar. Isso aumenta fortemente os custos brasileiros de produção em dólares,
dos salários à energia elétrica.
Isoladamente, a sobrevalorização é o fator mais
importante que barateia nossas importações e encarece as exportações de
manufaturados. Levá-la em conta ajuda a compreender por que temos o Big Mac mais
caro do mundo e os nossos turistas em Nova York, embora em menor número que os
alemães e os ingleses, gastam mais do que estes dois somados.
Economistas e jornalistas de fora do governo falam
contra a ideia de existir uma política específica para a indústria. Opõem-se à
teoria e à prática de uma política industrial, que, segundo eles, geraria
distorções e injustiças. Já o pessoal do governo e seus economistas falam
enfaticamente a favor da necessidade e da prática de política industrial. Nessa
discussão se gastam papel, tempo de TV a cabo e horas de palestras.
É uma polêmica interessante, mas surrealista, pois
não existe de fato uma política econômica abrangente e coerente, de médio e de
longo prazos, que enfrente as causas da perda de competitividade da indústria. O
programa Brasil Maior? Faltam envergadura e capacidade de implantação, sobram
distorções. E a anarquia da política de compras de máquinas e equipamentos para
a área do petróleo ou a confusão dos critérios de crédito subsidiado do BNDES,
têm alguma racionalidade em termos uma política industrial? Nenhuma!
Alguém poderia questionar: "E daí? Qual é o
problema de o Brasil se desindustrializar? Temos agricultura pujante, comércio
próspero e outros serviços se expandindo. Tudo isso gera empregos e renda.
Devemos seguir comprando mais e mais produtos industriais lá fora, pois dispomos
dos dólares para tanto: vendemos minérios e alimentos e recebemos muitos
investimentos externos".
Desde logo, nada contra sermos grandes exportadores
de produtos agrominerais. Os EUA fizeram isso no século 19 e em boa parte do
século 20 e ainda viraram a maior potência industrial do planeta, expandindo ao
máximo a exportação de manufaturas. A riqueza em commodities não é a causa
necessária de retrocesso industrial. Pode, sim, ser fator de avanço. O
retrocesso só existe porque os frutos dessa riqueza não estão sendo utilizados
com sensatez e descortino.
Ao se desindustrializar, o País está perdendo a sua
maior conquista econômica do século 20. Estamos a regredir bravamente à economia
primário-exportadora do século 19; a médio e a longo prazos, esse modelo é
vulnerável no seu dinamismo, por ser muito dependente do centro (hoje asiático)
da economia mundial. Os países com desenvolvimento brilhante têm sido puxados
pela indústria, setor que é o lugar geométrico do progresso tecnológico e da
geração dos melhores empregos em relação à média da economia.
O Brasil tem 190 milhões de habitantes, a 77.ª
renda per capita e o 84.º IDH do mundo. É preciso ter claro: sua economia
continental não proporcionará a renda e os milhões de empregos de qualidade que
o progresso social requer tendo como eixo dinâmico o consumo das receitas de
exportação de commodities.
A indagação retórica que fiz acima envolve um
conceito que tornaria o futuro da economia brasileira vítima de um presente de
leniência e indecisão. Conceito que pauta, de fato, o lulopetismo. É que um
marketing competente consegue dar uma roupagem moderna a essa nova vanguarda do
atraso.
José Serra, ex-prefeito e ex-governador de São Paulo |
quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
A nova vanguarda do atraso
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