"O movimento dos escoteiros busca desenvolver nos jovens a vontade de trabalhar em equipe pelo bem da sociedade. Seu lema é "sempre alerta", pois procuram constantemente oportunidades de ajudar a alguém necessitado.
Certo dia um grupo de escoteiros voltou ao quartel-general. Todos os dias eles se reuniam com o general, no final do dia, para descrever quais as bondades cada um havia praticado. Naquele dia os 12 rapazes do grupo informaram que haviam feito um trabalho em equipe: ajudaram uma velhinha a atravessar a rua. O general comentou:
- Acho muito bonita a atitude de ajudar uma senhora velhinha a atravessar a rua. Mas para isso eram necessários 12 escoteiros?
Então os rapazes responderam:
- É que ela não queria atravessar..."
Muitas vezes fazemos uma pequena bondade no nosso dia e achamos que já cumprimos nossa obrigação. Mas será que com o pouco que fazemos realmente preenchemos nosso potencial de fazer bondades? E são realmente bondades verdadeiras?
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Na próxima quarta-feira de noite começaremos a reviver a festa de Shmini Atséret. Apesar de vir imediatamente após a festa de Sucót, elas são independentes, cada uma com seus próprios significados e costumes. E junto com a festa de Shmini Atséret nossos sábios fixaram a comemoração da festa de Simchá Torá (em Israel, onde é feito apenas um dia de Yom Tov, as duas festas são juntas. Fora de Israel, que são dois dias de Yom Tov, no primeiro dia é Shmini Atséret e no segundo dia é Simchá Torá). O que fazemos de especial em Simchá Torá? Terminamos o ciclo de leitura anual da Torá, concluindo com a Parashá Vezót Habrachá, e imediatamente recomeçamos o ciclo com a leitura dos versículos iniciais do primeiro livro da Torá, Bereshit. Com isso demonstramos o quanto a Torá é querida para nós, pois não a tratamos como um livro que, ao terminar sua leitura, guardamos na gaveta e nunca mais abrimos. Ao contrário, no mesmo dia em que terminamos o ciclo de leitura da Torá imediatamente recomeçamos sua leitura, demonstrando nosso amor por todos os seus ensinamentos.
Também demonstramos o nosso amor em Simchá Torá dançando com o Sefer Torá. O costume é que todos as pessoas presentes tem o mérito de segurar por alguns instantes o Sefer Torá e dançar com ele, dando voltas pela sinagoga. Mas afinal, por que nos alegrar tanto por termos recebido a Torá? Será que algo que foi entregue há 3 mil anos continua atual até hoje? Os livros de ciência, após 20 ou 30 anos, perdem sua validade, pois novas descobertas substituem o que pensávamos ser correto. Será que a Torá também não está desatualizada?
Uma das respostas está na Parashá Bereshit, a primeira do novo ciclo de leitura semanal, que será lida no Shabat desta semana. A Parashá começa com a criação do mundo e em cada dia é descrito o que foi criado por D'us. No quarto dia a Torá descreve a criação do sol, da lua e das estrelas, como está escrito: "E disse D'us: Que haja luminárias no firmamento do céu, para separar entre o dia e a noite, e servirão como sinais, e para as festas, e para os dias e anos... E D'us fez as duas grandes luminárias, a grande luminária para dominar o dia e a pequena luminária para dominar a noite, e as estrelas" (Bereshit 1:14,16).
Mas deste versículo fica uma dúvida. Por que a Torá descreve o sol como "grande luminária" e a lua como "pequena luminária"? Que diferença faz para nós o tamanho dos astros celestiais? Além disso, existem muitas outras diferenças entre o sol e a lua, então por que ressaltar apenas o ponto de "grande" e "pequena"?
Uma pergunta similar fazemos quando escutamos a Brachá (benção) que é dita para a criança durante o seu Brit-Milá: "Este pequeno será grande". Que tipo de Brachá é esta? Estamos desejando apenas que a criança, que agora é pequena e frágil, se torne forte e grande? Não existe nenhuma Brachá mais importante para dar ao bebê neste momento tão especial, no qual ele entra no pacto com D'us?
Ensina o Rav Eliahu Dessler que existem duas forças no mundo: a força de Netiná (doar aos outros) e a força de Netilá (tomar dos outros). Todas as boas características são apenas derivações da força de Netiná, enquanto todas as más características são apenas derivações da força da Netilá. Quando uma pessoa dirige sua vida orientada pela força de Netiná, ela se torna um ser humano altruísta e solidário, que busca o bem dos outros mesmo à custa de perdas próprias. Já quando a pessoa dirige sua vida orientada pela força da Netilá, ela se torna um ser humano egoísta e insensível, que não hesita em passa por cima dos outros para alcançar seus próprios benefícios.
Dizem os nossos sábios que é justamente este ensinamento que a Torá está transmitindo nos versículos da criação dos astros celestiais. Quando a Torá diz que um astro é "Gadol" (grande) e um astro é "Katan" (pequeno), não está falando apenas do tamanho físico. Qual a diferença principal entre o sol e a lua? O sol tem luz própria, ele ilumina os outros, ele aquece, ele "doa". Já a lua não tem luz própria, ela apenas recebe, apenas toma. Portanto a Torá está definindo que "grande" é aquele que doa, que se importa com os outros, enquanto "pequeno" é aquele que apenas se preocupa em receber e satisfazer suas próprias necessidades.
Podemos ver este conceito em Moshé Rabeinu. Quando ele era um bebê, foi colocado em uma cesta no Rio Nilo e foi encontrado por Batia, a filha do Faraó. Como Batia não podia amamentar, ela entregou Moshé para que Yocheved o amamentasse, sem saber que ela era a verdadeira mãe. Quando Moshé passou da idade de amamentação, ele foi devolvido a Batia, como está escrito "E o garoto cresceu, e ela o trouxe para a filha do Faraó" (Shemot 2:10). Estranhamente o próximo versículo repete: "E aconteceu nestes dias que Moshé cresceu e saiu para ver seus irmãos e viu o sofrimento deles" (Shemot 2:11). Por que a Torá menciona duas vezes em seguida que Moshé cresceu ("Vaigdal", de "Gadol")?
A explicação é que o primeiro versículo se refere ao seu crescimento físico, Moshé cresceu e deixou de ser um bebê. Já o segundo versículo se refere ao seu crescimento espiritual. Quando a Torá considera que Moshé cresceu espiritualmente? Quando ele saiu para ver seus irmãos e o sofrimento deles. Quando deixou de ser egoísta, de se preocupar apenas com seus próprios problemas e passou a se importar com as dificuldades dos outros. Moshé, apesar de viver no luxo e comodidade do palácio do Faraó, se tornou um "Gadol", importando-se e sentindo a dor das outras pessoas.
Não é fácil se importar com os outros. Um bebê nasce com a mão fechada, isto é, ele só sabe receber. Chora por sua comida sem se importar se são 2 ou 3 da manhã, se seus pais estão cansados ou não. Quando a criança cresce, é mandada para a escola e entra em um mundo de competição, ficando cada vez mais centrada em si mesma. Sem nenhum esforço contrário, este egocentrismo tende a crescer cada vez mais. Em uma sociedade competitiva como a que vivemos atualmente, onde somos cobrados constantemente por resultados cada vez melhores, o egoísmo se fortalece ainda mais. Para subir na vida, nos tornamos pessoas frias, aprendemos a passar por cima dos outros sem sentir remorso. Se preocupar com o próximo chega a ir contra a natureza humana de auto-preservação. Justamente por ser algo tão "natural", muitos não se preocupam em mudar. Então, para nós que queremos mudar, como fazer para anular este lado egoísta intrínseco do ser humano?
A resposta está em um dos ensinamentos do Talmud (parte da Torá Oral): "Assim D'us disse ao povo judeu: Meus filhos, Eu criei o Yetzer Hará (má inclinação), e Eu criei a Torá como antídoto contra ele. E se vocês se ocuparem com a Torá, vocês não serão entregues na mão dele" (Kidushin 30b). A má inclinação é parte intrínseca do ser humano. D'us criou esta força que nos puxa para baixo justamente para nos dar méritos por cada vitória. E como vencer? Estudando a Torá e aplicando seus ensinamentos na prática.
A Torá é um modelo de bondade. Podemos aprender a bondade diretamente de D'us. Se Ele é perfeito e completo, por que criou o mundo? Apenas por bondade, apenas para fazer bem às Suas criaturas. Desde Adam e Chava, quando D'us se preocupou em criar para eles roupas mesmo após terem transgredido Seu mandamento, até a morte de Moshé, quando D'us pessoalmente se ocupou com seu enterro, a Torá está repleta de demonstrações da bondade de D'us. Também na Torá podemos aprender a fazer bondades com aqueles que seguiram os caminhos de D'us. Com Avraham Avinu, cuja casa era aberta nas 4 direções, para receber todos os viajantes que passassem pelo caminho. Com Rachel, que foi enterrada no meio da estrada, sozinha, apenas para poder rezar e chorar por seus filhos quando estivessem sendo levados ao exílio, séculos depois. Com Moshé, que abdicou de ter uma vida pessoal e dedicou sua vida a ajudar aos outros. Em que nível devemos nos cobrar? Ensinam os nossos sábios que todos os dias devemos nos perguntar: "Quando meus atos chegarão ao mesmo nível dos atos dos meus antepassados?". Devemos ter o desejo de ser como Avraham, como Rachel e como Moshé. Devemos querer ser verdadeiros campeões de bondade.
Quando vemos um atleta vencendo a prova dos 100 metros, não devemos ter a ilusão de que a vitória veio de maneira simples, em menos de 10 segundos. A vitória não foi apenas na corrida. Foi nos duros treinamentos diários, que muitas vezes começaram de madrugada e se estenderam até o anoitecer. Foi na alimentação balanceada, onde doces e gorduras, apesar de serem deliciosos, ficaram de fora. Foi no equilíbrio, na qualidade de vida, nas noites de sono bem dormidas, mesmo que para isso tivesse sido necessário abrir mão das festas e baladas. E quando vemos o campeão olímpico no pódio, recebendo sua medalha de campeão, sabemos que ele não se arrepende por seu esforço e por tudo o que ele precisou abrir mão. Valeu a pena, valeu o esforço.
Também não podemos ser "campeões de bondade" sem esforço. Temos que nadar o tempo inteiro contra a correnteza. Não importa que o mundo é desonesto, queremos ter uma vida honesta. Não importa que o mundo decidiu ser egoísta, queremos fazer a diferença, queremos nos importar com os outros. Não queremos ser apenas mais um tijolo na parede, queremos ser parte das fundações de um mundo melhor. Apesar de ter mais de 3.000 anos, a Torá não está antiquada. Ao contrário, em uma sociedade tão egoísta como a que vivemos, a Torá se torna fundamental para podermos fugir desta natureza tão negativa. É uma verdadeira bóia no meio de um mar de más influências.
Se um atleta pudesse escolher seu próprio treinamento, o que ele iria preferir? Treinos leves, com pouco esforço. Começar tarde e acabar cedo. Por isso ele precisa de um treinador, que constantemente exige que ele chegue ao limite, que vai obrigá-lo a trabalhar duro. A Torá é o nosso "treinador". Se o ser humano pudesse escolher seus próprios caminhos espirituais, escolheríamos sempre os caminhos mais cômodos. E o caminho mais fácil é o do egoísmo. Assim observamos os animais que, sem um manual de bondades, se preocupam apenas com suas próprias necessidades. Através das Mitsvót, as nossas obrigações, a Torá nos molda, nos "força" a nos tornarmos boas pessoas. Quando damos Tzedaká (caridade), mesmo que no começo seja por obrigação, com o tempo vamos sentindo gosto pelo ato de doar. Quando devolvemos um objeto encontrado, mesmo que com sofrimento, sentimos o gosto de fazer o que é justo e correto. Assim acontece com todas as Mitsvót, elas nos direcionam ao caminho correto. Elas nos ajudam a sermos grandes de verdade.
Portanto, esta é a Brachá que damos para um bebê no dia do seu Brit-Milá. Que este bebê, que agora ainda é um "Katan", que apenas recebe, que apenas se importa com suas necessidades, possa um dia se tornar um "Gadol", um doador, que se importa com as necessidades dos outros.
Sem a Torá estaríamos perdidos, dominados por nossas vontades. A Torá é a chave para nos libertar das algemas que nos prendem às nossas más inclinações. Por isso, em Simchá Torá devemos nos alegrar de verdade, dançar com a Torá nos nossos braços, agradecer a D'us pelo presente que Ele nos mandou. E se esta alegria vier do fundo do nosso coração, certamente ela nos acompanhará durante o ano todo. A alegria verdadeira, de saber que estamos fazendo a coisa certa.
"Felicidade verdadeira é a que se experimenta ao fazer o que deve ser feito" (Rav Akiva Tatz)
CHAG SAMEACH e SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com/
Gn.1:1-6:8, Is.42:5-43:10, Ap.22:6-21
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