sexta-feira, 14 de outubro de 2011

EQUILÍBRIO NA VIDA - SUCÓT 5772

"Na primeira vez em que o pequeno Zelig visitou Israel, em 1992, uma das paradas obrigatórias foi uma sorveteria de Jerusalém. Naquela época não era fácil encontrar sorvete de iogurte Kasher em Nova York e ele, ao entrar na loja, não podia acreditar nos seus olhos. Eram mais de 30 sabores diferentes, com infinitas possibilidades de acompanhamento: balas, granulados, wafers, frutas, chocolates. Imaginou que havia chegado ao paraíso.
Zelig não sabia quando ele teria outra oportunidade daquelas, então resolveu aproveitar de verdade. Após pensar um pouco, pediu sorvete de morango, abacaxi e menta, com crocante, wafers, calda de chocolate, nozes, chocolate branco e balinhas. Tudo o que parecia gostoso ele pedia que fosse acrescentado ao seu sorvete de iogurte. A atendente não se importou e foi colocando tudo o que Zelig pedia. Deveria ser mais um daqueles americanos mimados...
Quando o sorvete ficou pronto, Zelig mal podia esperar. Olhava para o sorvete, que mais parecia uma escultura, e sonhava com a primeira colherada. Mas, quando chegou o esperado momento de experimentar, Zelig ficou profundamente decepcionado. Aquela massa não tinha gosto de nada do que ele tinha escolhido. Eram tantos sabores juntos que, no final, já não podia mais distinguí-los..."
O maior segredo da vida é o equilíbrio. Pode ser em coisas simples, como um sorvete de iogurte, mas também pode ser aplicado a prazeres maiores que temos na vida. Quando queremos apenas "curtir" a vida sem limites e sem harmonia, no final sentimos que não aproveitamos nada.
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Nesta quarta-feira de noite reviveremos uma das festas mais alegres do calendário judaico: Sucót. Inclusive nossos sábios "apelidaram" a festa de Sucót como "Zman Simchateinu" (a época da nossa alegria) justamente pelo fato da alegria ser o ponto marcante. Por uma semana inteira saímos do conforto das nossas casas e passamos parte do nosso dia comendo, descansando e relaxando dentro da Sucá, uma cabana provisória feita, em geral, com madeiras e uma cobertura de folhas.
Quando observamos a maioria das religiões do mundo, percebemos que os prazeres do mundo material são vistos como algo negativo. A única maneira de atingir a espiritualidade é afastando-se completamente dos prazeres materiais, com jejuns, votos de silêncio e castidade e abrindo mão de todo o conforto. Mas sabemos que o judaísmo ensina justamente o contrário, que os prazeres do mundo material foram criados justamente para que possamos utilizá-los. A diferença entre o judaísmo e a filosofia ocidental do "Carpe Diem" (aproveite a vida) é que o foco dos prazeres materiais deve ser o crescimento espiritual. Portanto, se o judaísmo não incentiva o ser humano a viver uma vida de pobreza e abstinência, o que tem de tão alegre em abandonar o conforto de nossas casas durante os dias de Sucót?
Além disso, cada um dos Shalosh Regalim (Três Festivais: Pessach, Shavuót e Sucót, nos quais fazíamos a peregrinação para o Templo Sagrado) está relacionado diretamente com um dos três patriarcas. Ensinam os nossos sábios que Sucót está associado ao patriarca Yaacov. Qual a conexão entre Yaacov e a festa de Sucót?
Para entender a alegria de Sucót precisamos voltar no tempo, para mais de 3.300 anos atrás, quando saímos do Egito. Os judeus acabavam de sair de dois séculos de escravidão e opressão. Eles ainda se sentiam desprotegidos e vulneráveis, ainda mais com aquele deserto gigantesco diante deles, cheio de perigos e incertezas. Como eles sobreviveriam sem comida e sem água? Como aguentariam os dias escaldantes e as noites congelantes do deserto? Como suportariam, com animais e crianças, uma caminhada tão longa? Foi então que todos os medos do povo judeu foram aliviados com o aparecimento das nuvens de D'us, que o envolveram e trouxeram um sentimento de amor e conexão com o Infinito. As nuvens os protegiam, por todos os lados, de todos os perigos.
E para relembrar a proteção das nuvens e sentir novamente esta conexão espiritual é que moramos por uma semana em Sucót, as cabanas provisórias. Esta é a essência da festa de Sucót: a Emuná (fé), sentir novamente a proximidade e o amor de D'us. Voltar a refletir sobre todas as bondades que Ele faz conosco, todas as Brachót que recebemos, como Ele nos salva nos momentos de dificuldade e aperto.
Emuná é uma das Mitzvót mais importantes da Torá. Por outro lado, ter uma Emuná verdadeira é algo muito difícil. Todas as vezes que D'us não nos manda o que estávamos esperando, como reagimos? Reclamamos ou entendemos que é parte de Sua sabedoria superior e que devemos aprender alguma lição? Quando não temos sucesso em algo pensamos que este era o decreto Celestial ou que deveríamos ter nos esforçado um pouco mais?
Por que é tão difícil ter Emuná completa? Pois vivemos em uma verdadeira corda bamba. Por um lado temos uma obrigação de nos esforçar e fazer a nossa parte para obter os resultados desejados. Alguns sábios dizem que se esforçar é inclusive uma Mitzvá. Por outro lado, como saber até onde o esforço é válido e quando ele passa a ser demasiado, resultando em uma falta de Emuná? Qual é o limite?
A resposta é que não existe uma medida padrão a ser seguida. O esforço que cada um precisa fazer deve ser de acordo com o seu nível de conexão espiritual, quanto a pessoa sente que D'us participa de sua vida. Mas há uma regra que pode nos ajudar a chegar ao nosso nível correto de Shtadlut (esforço). E esta é a conexão com o nosso patriarca Yaacov.
A Torá nos descreve Avraham como alguém que desenvolveu ao máximo o potencial de Chessed (bondade). Porém, mesmo a característica de Chessed precisa ser dosada, e como Avraham foi ao extremo, dele saiu um filho tzadik (justo), Yitzchak, e um filho rashá (malvado), Ishmael. Yitzchak desenvolveu ao máximo o potencial da justiça estrita. Mas também a característica de justiça estrita precisa ser dosada, e como Yitzchak foi ao extremo, dele saiu um filho tzadik, Yaacov, e um filho rashá, Essav. Yaacov desenvolveu o potencial do equilíbrio, saber dosar entre o Chessed e a Justiça estrita, em que momento utilizar cada um deles. Yaacov representa, portanto, a ponderação e o equilíbrio, e por isso dele saíram apenas filhos tzadikim.
Precisamos aplicar este conceito em nossas vidas. Por exemplo, se tudo o que recebemos de dinheiro no ano já foi decretado em Rosh Hashaná e selado em Yom Kipur, quanto precisamos trabalhar para garantir nosso sustento? A resposta é: equilíbrio. Precisamos ser bons profissionais, dedicar tempo e esforço para fazer as atividades diárias de uma maneira bem feita. Mas se a condição para ser um bom profissional é não sobrar tempo para acompanhar o jogo de futebol do filho no domingo, não ter forças para frequentar as rezas e o estudo de Torá diariamente na sinagoga ou sempre estar atrasado quando vai levar a esposa para jantar, este são sinais de que não se trata de um esforço construtivo e é, portanto, falta de Emuná. O esforço ideal pelo sustento, de acordo com o judaísmo, é aquele que nos permite cuidar também de todas as outras áreas importantes da vida, como família, saúde e espiritualidade.
Mas infelizmente temos a tendência de nos apoiar demais no mundo material, isto é, fazer muito mais esforços do que precisaríamos, causando problemas na nossa Emuná. Associamos nossa segurança às nossas sólidas paredes de casa. Associamos nossa felicidade unicamente aos bens materiais, principalmente aqueles que ainda não temos. Associamos o nosso sucesso profissional a abrir mão de qualquer outra área da vida. Por isso a festa de Sucót está associada com Yaacov e com a alegria. Quando abandonamos o conforto e a segurança de nossas casas, estamos dando um passo ativo para alcançar o equilíbrio e a harmonia. Pendemos momentaneamente para o lado do espiritual, da Emuná, do entendimento de que na verdade, apesar das máscaras que encobrem a verdade, tudo vem de D'us. Voltamos a perceber que para ser feliz precisamos de muito menos do que imaginamos.
Portanto, a alegria de Sucót não é uma alegria passageira. É uma alegria que, se alcançada de forma verdadeira, tem o potencial de iluminar nosso ano inteiro. A alegria de saber que não estamos sozinhos. A tranqüilidade de sentir que estamos dentro de um plano maior e que o que temos na vida é exatamente o que precisamos para dar a nossa contribuição verdadeira ao mundo.
CHAG SAMEACH e SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com/
Lv 22:26-23:44, (Maftír-Nm. 29:12-16), Zc 14:1-24, Ap. 7:1-10

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