O texto foi publicado ontem na Folha de S. Paulo. Quando o li, na madrugada, pensei: “Quero escrever a respeito”. Depois acabei atropelado pelo noticiário sobre o Ministério do Esporte, e a coisa lá me ficou pelo caminho. Mas não resisto. Começo com a minha graça, mas é coisa muito séria: se deixarmos as escolhas sobre produção de alimentos e preservação da natureza para certa antropologia, acabaremos todos antropófagos, mas conciliados com o meio ambiente. Será um momento lindo. Voltaremos às nossas origens tupinambás, e os europeus mandarão seus novos Hans Stadens pra cá para narrar a nossa saga e descrever os nossos exotismos. Mas vamos à reportagem, de Claudio Angelo, da Folha, que segue em vermelho. Comento em azul.
Cientistas sobem o tom contra novo Código Florestal
Em sua manifestação mais dura sobre a reforma do Código Florestal, as principais sociedades científicas brasileiras adjetivam partes do texto em análise como “injustificado” e “inconstitucional”. A SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e a ABC (Academia Brasileira de Ciências) entregaram na semana passada a senadores propostas para embasar as mudanças na lei. Para elas, a ciência não foi levada em conta no relatório do deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), aprovado em maio no plenário da Câmara. Entre as 18 assinaturas do documento há pesos-pesados como a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, Carlos Nobre, secretário de Pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e Tatiana Sá, ex-diretora-executiva da Embrapa. Para eles, o maior entrave à expansão da agricultura não é a legislação ambiental, mas “a falta de adequação” da política agrícola do país.
Então vamos ver. Segundo entendi, os cientistas não têm argumentos novos. Eles decidiram mudar a ênfase, como se a dureza da linguagem lhes desse agora a razão que não tinham antes. Daí terem “subido o tom”. O que vai acima tem uma premissa: o texto de Aldo Rebelo teria partido do princípio de que existe uma contradição ente legislação ambiental e produção agrícola. É falso. Ao contrário. O relatório busca sempre a conciliação. Não só isso: ele prevê a recuperação de áreas desmatadas. Mas o bom mesmo vem agora. Vejam como a ignorância pode ser convicta.
Para os cientistas, um aumento marginal na produtividade pecuária -com medidas simples, como erguer cercas e fazer o manejo de pastos- liberaria 60 milhões de hectares para a agricultura. “Continua no Senado essa falácia de que não há espaço para preservar e produzir alimentos”, disse Luiz Martinelli, da USP de Piracicaba. “Como é que eu vou dizer para a Europa não subsidiar sua agricultura quando a gente queima tudo sem nenhuma eficiência? É um tiro no pé.”
Essa falácia existe só na cabeça dos ditos cientista. Como é bom falar sem números, ir jogando dados, assim, ao léu, né? Como, afinal, eles são “cientistas”, ninguém vai se ocupar de fazer algumas continhas e operar minimamente com a lógica. Faz sentido. Quando foi a última vez que a antropóloga Manuela Carneira da Cunha, por exemplo, viu um pé de couve? Vamos lá. A agropecuária ocupa, no Brasil, 329.941.393 de hectares; desse total, 98.479.628 são áreas de preservação dentro das propriedades. Sim, vocês entenderam direito: os proprietários rurais brasileiros preservam 29,84% das terras que constam, oficialmente, como destinadas à agropecuária. Como o Brasil tem 851 milhões de hectares, isso significa que agricultura e pecuária ocupam apenas 27,2% do território brasileiro (231.431.765 milhões de hectares). Estudos mais recentes falam em 27,7%.
Pois bem: segundo esses valentes, erguer cercas e fazer manejos de pastos liberaria 60 milhões de hectares para a agricultura. Deve ser gostoso ser irresponsável ostentando o título de doutor. Ninguém cobra nada do bruto. Isso corresponderia a 26% da área hoje efetivamente ocupada pela agropecuária. Então vamos ver: dadas a demanda do mundo por alimentos e a dificuldade para se conseguir terras, esses gênios da raça estão afirmando que os proprietários rurais aproveitam mal mais de um quarto da sua propriedade??? Falam uma porcaria desse tamanho e nem ficam corados!
Mais ainda: desmatar para arrancar madeira e não plantar nada é coisa fácil; qualquer pistoleiro faz — geralmente, debaixo do nariz de Ibama. Agora, desmatar para preparar a terra para cultivo dá um trabalho danado. É preciso NÃO TER A MENOR IDÉIA DO QUE SE ESTÁ FALANDO PARA SUSTENTAR, como sugere o documento, que o proprietário rural, então, opta pelo mais caro e mais difícil — desmatar e preparar a terra — do que pelo mais barato e mais fácil: erguer cercas e fazer manejo de pastos. Isso é um fantasia ridícula!
Mas quem me encantou mesmo foi Luiz Martinelli, da USP de Piracicaba. Releiam o que ele diz: “Como é que eu vou dizer para a Europa não subsidiar sua agricultura quando a gente queima tudo sem nenhuma eficiência? É um tiro no pé.” Ele estava de pé quando disse isso ou de joelhos para os seus juízes europeus? Europa? Ora, doutor, veja o estudo que seus amigos do Greenpeace encomendaram para o Imazon e para o Proforest, da Universidade Oxford. Escrevi a respeito. Ali está a área de floresta de 11 países — alguns deles são aqueles de que o senhor tem medo. Também se especifica o que é floresta replantada e o que é floresta original. O Brasil tem 61% de suas áreas naturais preservadas! Nenhum dos países estudados tem Área de Preservação Permanente (APP), por exemplo. Segue o quadro. Não se deixem impressionar por Japão e Suécia: num caso é montanha vulcânica; no outro é gelo…
País % do territ. c/ floresta Floresta original Floresta replantada Tem APP?
Holanda 11% 0% 100% Não
R.Unido 12% 23% 77% Não
Índia 23% 85% 15% Não
Polônia 30% 05% 95% Não
EUA 33% 92% 08% Não
Japão 69% 49% 41% Não
Suécia 69% 87% 13% Não
China 22% 63% 37% Não
França 29% 90% 10% Não
Alemanha 32% 52% 48% Não
Indonésia 52% 96% 04% Não
As entidades também pedem que as APPs (áreas de preservação permanente), como margens de rios, sejam restauradas na íntegra, posição mais “ambientalista” que a do governo, que aceitou flexibilizar sua recomposição. Os cientistas exigem, ainda, que o Senado elimine do texto a menção à “área rural consolidada”, que permite regularizar atividades agropecuárias em APPs desmatadas até 22 de julho de 2008. Segundo eles, a Constituição diz que “não há direito adquirido na área ambiental”.
Vamos colocar as coisas nos seus devidos termos. Restaurar “áreas na íntegra” significa que áreas destinadas à agricultura há 200, 300 anos teriam de ceder lugar ao mato, diminuindo a área plantada. Da forma como querem esses valentes, milhares de catarinenses ou gaúchos, por exemplo, terão de abandonar suas propriedades. A propósito: Manuela Carneiro da Cunha deveria pedir a remoção do Cristo Redentor e de todas as favelas do Rio. Um está no topo de morro; as outras, nas encostas. Por que o preconceito contra proprietários rurais apenas? Princípio é princípio, ora…
“Nosso livro anterior dava dados, mas não fazia afirmações tão contundentes”, disse Carneiro da Cunha, aludindo a documento divulgado no semestre passado.
Não! Não dava os dados essenciais, dona Manuela. A conta que vocês fazem sobre a liberação de 60 milhões de hectares é uma das coisas mais alopradas que já li.
Expoente da antropologia, Carneiro da Cunha afirma que os senadores precisarão tratar um tema espinhoso sem acordo: a isenção de reserva legal para propriedades de até quatro módulos fiscais (medida equivalente a até 400 hectares na Amazônia). “Quatro módulos não é o mesmo que agricultura familiar. É uma pegadinha.” Ela diz esperar que o senador Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC), relator do código em três comissões, seja “persuadido por argumentos convincentes”.
Pegadinha é a batatada dos cientistas. O texto da Folha atribui ao texto de Aldo o que não está lá (leia a (íntegra). Não existe “isenção de reserva legal para propriedades de até quatro módulos” porcaria nenhuma! Vamos ler o que está escrito? Vamos ver o que diz o Parágrafo VII do Artigo 13:
“Nós imóveis com área de até quatro módulos fiscais que possuam remanescentes de vegetação nativa em percentuais inferiores ao previsto no caput, a Reserva Legal será constituída com área ocupada com a vegetação nativa existente em 22 de julho de 2008, vedadas novas conversões par uso alternativo do solo”.
Para quem sabe ler, está tudo claro. Os proprietários de ATÉ quatro módulos estão isentos de REFLORESTAR ou de participar de programa de compensação ambiental em razão das áreas já ocupadas até 22 de julho de 2008. MAS NÃO PODERÃO CONVERTER NOVAS ÁREAS além dos limites estabelecidos pelo Código.
Eis aí: mais uma vez, cientistas e imprensa dizem o que lhes dá na telha sobre o texto de Aldo Rebelo, como se ele não estivesse escrito. Quem ler a proposta vai ver que a regularização de propriedades em áreas hoje consideradas de preservação permanente obedece a critérios e a ações de compensação ambiental. A tal anistia que essa gente condena também não está no texto. É mentira! Nada menos de 10 artigos no Capítulo VI trata das condições para a regularização da propriedade. O capítulo VII estabelece até limites e regras para a indústria usar produtos da floresta.
Não há nada parecido com o Código Florestal Brasileiro, mesmo o de Aldo Rebelo, que esses valentes combatem, no mundo inteiro. Não há um só país, ZERO, que tenha coisa parecida com “Área de Preservação Permanente” do modo como se quer fazer por aqui. E não há um só país no mundo em que se reivindique a diminuição da área plantada para recriar florestas. Seria uma sandice! No caso de um país que tem 61% do seu território praticamente intocado, essa reivindicação parece ser um pouco mais do que loucura. Acho que já esbarra mesmo no mau-caratismo.
Para começo de conversa, ESSA GENTE PRECISA PARAR DE ESCONDER O TEXTO DE ALDO REBELO, ATRIBUINDO À PROPOSTA O QUE NÃO ESTÁ LÁ.
Por Reinaldo Azevedo
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/
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