"Era dezembro de 1994. O vôo entre Tel Aviv e Nova York começou normalmente, com a decolagem pontualmente às 04h30 e previsão de uma rápida parada de reabastecimento em Bruxelas, na Bélgica. Após o reabastecimento, que ocorreu às 09h00, o capitão anunciou que uma série de problemas mecânicos causaria um atraso no vôo. Mas até as 14h00 os problemas mecânicos do avião ainda não haviam sido resolvidos e os cerca de 500 passageiros, cansados, foram levados de ônibus para um hotel local. Desde a madrugada até o meio da tarde a companhia aérea tinha apenas servido bebidas e salgadinhos. Embora a companhia aérea tivesse distribuído um vale-refeição para ser utilizado no restaurante do hotel, isto não ajudava a maioria dos passageiros, que precisavam de comida Kasher.
As notícias desse atraso interminável chegaram até a Antuérpia, onde ficava a maior comunidade judaica da Bélgica, situada a 45 minutos de Bruxelas. A comunidade judaica da Antuérpia rapidamente organizou uma impressionante variedade de refeições Kasher, e tudo foi entregue no hotel de Bruxelas, onde mais de 400 judeus, homens, mulheres e crianças famintos, ansiosamente se perguntavam quando eles conseguiriam ter uma refeição Kasher.
O detalhe é que a quantidade de alimento enviada foi tão grande que alimentou os passageiros em um farto jantar, sobrou ainda para o café da manhã do dia seguinte e para o almoço durante o vôo, após finalmente o avião ter conseguido decolar com um atraso total de 27 horas" (História Real)
É isso o que a Torá exige de nós: que nos preocupemos com o sofrimento e a necessidade do próximo a ponto de, mesmo sem que os necessitados peçam ajuda, estejamos lá para ajudar"
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Nesta semana terminamos o quarto livro da Torá, Bamidbar. E a Parashá desta semana, Massei, nos ensina, entre outros assuntos, sobre a pena recebida por uma pessoa que matou não intencionalmente outro ser humano. Mas o que mais impressiona é perceber que, apesar da Torá ressaltar diversas vezes que a pessoa não teve nenhuma intenção de matar, mesmo assim ela é chamada de "assassino". Além disso, a Torá descreve que esta pessoa recebia uma pena extremamente dura. Ela tinha que abandonar sua família, seus amigos e a cidade onde morava para se exilar em uma das cidades de refúgio, construídas justamente para abrigar assassinos que matavam sem intenção. Por quanto tempo durava este exílio? Ninguém sabia. A pessoa ficava na cidade de refúgio até a morte do Cohen Gadol (Sumo Sacerdote), isto é, era um exílio por tempo indeterminado. Poderia ser 1 mês, 1 ano ou 40 anos. Porém, se a pessoa não teve nenhuma intenção de matar, foi tudo uma grande fatalidade, por que a Torá aplica uma pena tão dura?
mesma pergunta também fazemos em Yom Kipur. Durante o "Vidui", a confissão dos nossos pecados, pedimos perdão para D'us "pelos pecados que pecamos diante de Ti intencionalmente e não intencionalmente". Entendemos a necessidade de pedir perdão por um pecado intencional, mas por que pedir perdão por um ato não intencional? E se foi não intencional, por que mesmo assim é chamado de "pecado"?
Além disso, refletindo um pouco sobre a punição daqueles que cometeram um assassinato não intencional, surge uma grande pergunta. Quando uma pessoa era enviada para a cidade de refúgio, seu maior desejo era poder sair de lá, mas isto só aconteceria apenas após a morte do Cohen Gadol. Portanto, mesmo que de forma não intencional, todos os que estavam na cidade de refúgio desejavam a morte do Cohen Gadol e, quando rezavam para sair logo dali, estavam incluindo indiretamente em suas rezas um pedido pela morte rápida do Cohen Gadol. Esta reza tinha tanta força que o Talmud conta que a mãe do Cohen Gadol levava comida e roupas para os moradores das cidades de refúgio para convencê-los a não rezar pela morte do filho. Mas por que o Cohen Gadol merecia isto? Ele estava sendo castigado por algum tipo de erro?
Explica o Rav Meir Rubman um fundamento espiritual muito importante, que nos ajuda a enxergar acontecimentos do cotidiano com outros olhos. Nos ensina Shlomo Hamelech (Rei Salomão): "Mesmo sem intenção, a alma não é boa" (Mishlei 19:2). O que este versículo quer dizer? Que quando um ser humano comete um mau ato, mesmo sem intenção nenhuma, isto é um sinal que há algo de errado em sua alma. Pois os maus atos não intencionais são consequência da falta de cuidado e da falta de sensibilidade com a dor e com as perdas do próximo. Se a pessoa tivesse tido um pouco mais de cuidado e preocupação com o próximo, certamente o acidente não intencional não teria ocorrido.
Tudo o que ocorre, tanto nos mundos espirituais quanto no mundo material, está sob controle total do Criador do universo. Nada ocorre sem a Sua permissão. D'us cumpre Sua vontade utilizando o nosso próprio livre arbítrio. Ele utiliza pessoas com méritos espirituais como intermediários para mandar coisas boas aos outros e pessoas com problemas espirituais como intermediários para aplicar decretos ruins. Portanto, a pessoa que morreu já tinha um decreto espiritual de morte, mas D'us utilizou o assassino, que não se preocupava com o próximo como deveria, como um intermediário para aplicar esta pena de morte através de um assassinato não intencional. Portanto, alguém que fez mal ao outro de maneira não intencional precisa se questionar e refletir, para procurar alguma falha em sua alma e tentar corrigir. É por isso que pedimos perdão em Yom Kipur também pelas transgressões não intencionais, pois se tivéssemos sido mais cuidadosos, se tivéssemos pensado mais nos outros, teríamos evitado muitos danos e sofrimentos, e D'us não nos teria utilizado como instrumento para causar coisas desagradáveis aos outros.
Explica ainda o Rav Rubman que isto vale para pessoas normais, isto é, de nível espiritual mediano. Mas para pessoas de nível espiritual mais elevado, com um potencial maior, a cobrança é muito mais rigorosa. Para eles, mesmo os atos não intencionais são considerados como intencionais. Mesmo se eles não fizeram nada errado, apenas deixaram de fazer algo que poderiam pelo povo judeu, como rezar para que nada de mal acontecesse, eles são cobrados por isso. O Cohen Gadol era uma pessoa de nível muito elevado, com um contato especial com D'us, diferente de todo o povo. Se durante os anos em que ele exerceu o sacerdócio ocorreram assassinatos não intencionais dentro do povo judeu, isto era um sinal de que ele não havia rezado pelo bem do povo com a intenção e a força que poderia e deveria ter feito. Por isto era castigado desta maneira tão severa.
O que aprendemos deste fundamento espiritual para nossas vidas cotidianas? Muitas vezes causamos, sem nenhuma intenção, sofrimentos e danos aos outros. Tentamos justificar nossos erros com os argumentos de "Não sabia", "Não escutei" ou "Não prestei atenção". Porém, isto na verdade não são justificativas para nossos erros, são na verdade grandes questionamentos: "Por que não sabíamos?", "Por que não escutamos?", "Por que não prestamos atenção?". Se realmente nos preocupássemos com o próximo como deveríamos, poderíamos ter evitado o dano e o sofrimento causado.
Recentemente um motorista de um Porshe, dirigindo a uma velocidade de 150 km/h pelas ruas da cidade, atingiu outro veículo em um cruzamento. A motorista do outro veículo, uma advogada de 28 anos, morreu na hora. Nas entrevistas, o motorista alegou que não era um criminoso, como vinha sendo tratado pela mídia. Mas segundo o judaísmo isto não é verdade. Alguém que dirige desta maneira, alcoolizado e em velocidade irresponsável, é sim um criminoso. O crime praticado é chamado pela Torá de assassinato e o autor é um assassino que menospreza o valor da vida alheia.
A Torá nos ensina que a solução está no cumprimento rigoroso de uma importante Mitzvá: "Ame ao próximo como a ti mesmo". Da mesma forma que nos esforçamos para evitar qualquer tipo de sofrimento ou dano a nós mesmos, assim temos que nos esforçar, no mesmo nível, para evitar danos aos outros. A forma de nos preocuparmos mais com os outros é nos dedicando mais ao Chessed (bondade), pensando mais no próximo e menos em nós mesmos, investindo tempo para encontrar formas de ajudar a quem necessita. Fazendo Chessed de maneira constante, vamos desenvolvendo uma sensibilidade cada vez maior, percebendo o que as pessoas realmente precisam. Podem ser bens materiais, mas muitas vezes pode ser apenas um abraço, um sorriso ou um momento de atenção. Assim ajudaremos aos outros e a nós mesmos, pois D'us nos utilizará apenas como instrumento para levar o bem às pessoas, diminuindo o nosso sofrimento e também o dos outros.
SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com/
Nm. 33:1-36:13, Je 2:4 – 28, 3:4, 4:1-2, Tg. 4:1-12
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