"Há cerca de 20 anos passava na televisão um programa dominical, conduzido pelo famoso apresentador Senor Abravanel, mais conhecido como Silvio Santos. O programa era conhecido como "A cabine do Silvio Santos", pois o elemento principal era uma cabine à prova de som colocada no meio do palco. Uma pessoa sorteada entrava na cabine e ficava fechada lá dentro, sem saber o que acontecia do lado de fora. Enquanto isso o Silvio Santos perguntava para a pessoa se ela queria trocar certo objeto por outro. Uma luz vermelha acendia-se na cabine e o participante tinha que dizer "Sim" ou "Não". Após algumas trocas o jogo terminava e a pessoa recebia o prêmio que havia restado após a última rodada.
Certa vez Antônio Golçalves foi sorteado. Ele não acreditou na imensa sorte de participar do programa do Silvio Santos, pois além dos 15 minutos de fama, os prêmios oferecidos eram muito bons. Fogões, geladeiras, motos e até carros. Antônio estava nervoso quando começou o jogo. Ansioso, ele permanecia em silêncio absoluto, esperando a luz vermelha. Então a luz acendeu e ele gritou "Sim", trocando uma bicicleta por um fogão. Na outra rodada ele decidiu gritar "Não", salvando-se de trocar seu fogão por uma boneca. A sorte parecia estar do lado de Antônio. Na penúltima rodada Antônio estava com uma moto. Então o Silvio Santos trouxe um carro para o palco e perguntou: "Você troca sua moto por este carro zero quilômetros? Antônio viu a luz acendendo e, sem saber o que acontecia do lado de fora, gritou "Sim". Chegou a rodada final e Antônio tinha um carro em suas mãos. Foi então que o Silvio Santos, fez a última pergunta: "Você troca seu carro por uma coxinha?". A luz vermelha acendeu-se e Antônio, confiante, fechou seus olhos e gritou com toda sua força: "Siiiiiiim".
A porta da cabine foi aberta e Antônio saiu, esperançoso. Que grande prêmio teria ganhado? Viu no palco uma televisão, um fogão e uma geladeira. Seus olhos viram também um carro parado no palco e brilharam de alegria. Foi então que o Silvio Santos veio trazendo uma coxinha. Era a coxinha pela qual Antônio havia trocado seu carro. Que decepção! Antônio Golçalves queria sumir de tanta vergonha. Ao sair do palco levava em sua mão a coxinha que havia trocado pelo seu carro zero quilômetros"
Algumas vezes nos equivocamos e, no jogo da vida, nos comportamos como o Antônio Gonçalves. Nos esquecemos que os prazeres do mundo material são limitados e temporários, enquanto os prazeres do mundo espiritual são infinitos. Algumas vezes D'us nos pergunta se queremos trocar os prazeres eternos por prazeres limitados e, na ingenuidade, respondemos "Siiiiiiiim".
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Na Parashá desta semana, Balak, a Torá descreve uma pessoa de personalidade interessante chamada Bilaam. Ele tinha um nível muito elevado de profecia, ao ponto de falar diretamente com D'us, mas preferiu utilizar seu potencial espiritual para ganhar dinheiro e fama vendendo seus "serviços" para interessados em amaldiçoar pessoas e até mesmo povos inteiros. Um dos "clientes" de Bilaam foi o rei Balak, do povo de Moav, que temeu muito o iminente confronto com o povo judeu após ver sua esmagadora vitória contra o povo de Amorá. Balak sabia que a vitória na guerra não dependia de força física, mas sim de méritos espirituais, por isso contratou Bilaam por uma enorme soma de dinheiro para amaldiçoar o povo judeu, possibilitando assim vencer na guerra.
Bilaam, que era famoso pelo grande sucesso em seus "trabalhos espirituais", aceitou a generosa oferta de Balak e, por três vezes, tentou amaldiçoar o povo judeu, mas em todas elas D'us protegeu os judeus, fazendo com que as maldições que saíam da boca de Bilaam se transformassem em Brachót (Bençãos).
Na terceira vez, antes de tentar amaldiçoar o povo judeu, Bilaam pediu para subir em uma montanha e observar o acampamento dos judeus, garantindo que assim poderia amaldiçoá-los. Porém, da sua boca saíram as seguintes palavras de louvor ao povo judeu: "Quão belas são tuas tendas, Yaacov, teus tabernáculos, Israel". Mas que tipo de louvor é esse? O que havia de especial nas tendas do povo judeu? Além disso, por que o versículo mistura as linguagens "Yaacov" e "Israel", já que ambas são utilizadas para se referir ao povo judeu? E finalmente, para que Bilaam precisava ver o povo judeu para poder amaldiçoá-lo?
Explicam nossos sábios que D'us criou e dirige o mundo baseado em misericórdia, pois se Ele julgasse nossos atos com justiça estrita, o mundo não sobreviveria. Mas existem alguns poucos instantes em cada dia em que D'us sim julga o mundo com justiça estrita. Bilaam não tinha o poder de amaldiçoar ninguém. Ele tinha, na realidade, o potencial espiritual de saber qual era o momento da justiça estrita de D'us. Como ele aproveitava este dom espiritual? No exato momento da justiça estrita ele mencionava para D'us alguma transgressão da pessoa ou povo, causando uma "maldição", que nada mais era do que a consequência de uma punição espiritual mais severa. Por isso ele subiu na montanha, para observar o acampamento do povo judeu e procurar qualquer defeito que pudesse ser mencionado no momento da justiça estrita de D'us.
O que Bilaam esperava ter visto? Um erro comum de acontecer entre vizinhos: a falta de recato, resultado da curiosidade que temos de sempre querer saber o que está acontecendo na vida dos outros. Vivemos sem privacidade, janela com janela, um olhando sempre o que os vizinhos estão fazendo. Porém, Bilaam viu no acampamento do povo judeu justamente o contrário. As tendas eram montadas de forma recatada, isto é, nunca a abertura de uma tenda ficava de frente para a abertura de outra tenda. O povo judeu se preocupava com a privacidade e o recato de cada família. Ao invés de uma maldição, Bilaam pronunciou uma Brachá.
Explica o Rav Moshe Shterenbuch que, além desta explicação mais simples, a Brachá de Bilaam pode ser entendida de uma maneira mais profunda, necessitando apenas uma pequena introdução. A Torá se refere ao povo judeu de duas maneiras diferentes. Pessoas mais simples, com um nível espiritual mais baixo, são chamadas de "Yaacov", enquanto pessoas em um nível espiritual mais elevado são chamadas de "Israel".
O que significa "Quão belas são tuas tendas, Yaacov"? A tenda simboliza coisas provisórias e temporárias. Elas não são moradias fixas, são utilizadas apenas como uma solução temporária por pessoas que estão fora de casa. Este foi o louvor que Bilaam deu ao povo judeu: da mesma forma que eles moravam em tendas porque estavam apenas de passagem pelo deserto, assim eles também viviam suas vidas. Eles colocavam no coração que a vida no Olam Hazé (Mundo Material) é provisória e passageira, apenas uma preparação para o Olam Habá (Mundo Vindouro), que é a vida verdadeira e eterna. Bilaam ressaltou como é bom viver com esta certeza, mesmo para as pessoas mais simples chamadas de "Yaacov", pois assim podem dedicar suas vidas ao que realmente é importante, sem investir mais do que o necessário no que é passageiro e limitado.
E o que significa "Teus tabernáculos, Israel"? Que as pessoas mais elevadas, chamadas de "Israel", podem viver em um nível espiritual ainda mais alto. Para elas não é suficiente apenas viver com a certeza de que o mundo material é temporário, elas conseguem transformar suas vidas em um pequeno Mishkan (tabernáculo ou Templo Móvel). Qual a característica de um Mishkan? Através da utilização de objetos do mundo material, da maneira como D'us ensinou, conseguimos trazer a Sua presença para o mundo. Viver uma vida de Mishkan significa utilizar o mundo material e seus prazeres de uma forma tão sagrada que podemos elevar tudo o que é material a um nível espiritual.
Deste ensinamento aprendemos algo muito interessante: não é abdicando dos prazeres do mundo material e vivendo uma vida de pobreza e privações que podemos nos tornar pessoas espiritualmente mais elevadas. A maneira verdadeira de criar uma conexão com D'us é utilizando o mundo material, tendo proveito dos prazeres que ele pode nos oferecer, mas canalizando estes prazeres ao mundo espiritual. As Mitsvót nos ajudam nesta difícil tarefa. Por exemplo, podemos ter o prazer de uma boa comida, mas a comida Kasher e as Brachót feitas antes e depois de termos proveito transformam a comida gostosa em alimento para a alma. E assim funciona com todos os prazeres do mundo material que, ao serem obtidos da maneira correta, podem virar prazeres espirituais, transformando nossas casas e nossas vidas em um verdadeiro Templo Móvel.
A Brachá de Bilaam não foi apenas para o povo judeu que estava no deserto, foi para cada um de nós. Foi uma Brachá para que possamos ter claridade durante o tempo limitado em que estamos neste mundo material e possamos focar corretamente os nossos atos. Não apenas para não gastarmos o nosso tempo na busca incessante de prazeres limitados que não nos preenchem, mas para que possamos trazer espiritualidade para o mundo com cada pequeno ato que fazemos.
SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com/
Nm. 22:2-25:9, Mq 5:6-6:8, Rm. 11:25-32
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