sexta-feira, 1 de julho de 2011

CUIDADO COM O QUE VOCÊ FALA - PARASHÁ CHUKAT 5771 (01 de julho de 2011)

CUIDADO COM O QUE VOCÊ FALA - PARASHÁ CHUKAT 5771 (01 de julho de 2011)

"Mauro e Rafael viviam em uma pequena cidade do interior. Desde pequenos não se desgrudavam, passavam os dias brincando juntos, amigos inseparáveis. Era uma amizade verdadeira, que enchia os olhos de todos que os conheciam. Quando eles cresceram a amizade cresceu junto, mas a vida levou cada um para um caminho diferente. Mauro foi para a cidade grande, estudou em uma famosa universidade e tornou-se um empresário bem sucedido que, em pouco tempo, estava milionário. Já Rafael permaneceu na sua cidade natal. Logo cedo abandonou os estudos para se dedicar ao trabalho, tornando-se uma pessoa muito simples e ingênua. Tinha um pequeno mercadinho, que abria algumas poucas horas por dia, e de lá tirava seu sustento. No resto do tempo sentava-se na porta de sua casa, uma construção velha e muito simples, para ficar conversando com os vizinhos.
Certo dia, Mauro sentiu saudades do seu querido amigo de infância. Fazia um bom tempo que eles não se encontravam. Decidiu fazer uma surpresa e apareceu no meio do dia para dar um abraço em Rafael. Encontrou-o sentado na porta de casa, batendo papo com os amigos. Abraçaram-se longamente e sentaram para contar as últimas novidades. No meio da conversa, Rafael viu que de longe chegava alguém. Rapidamente, sem dar nenhuma explicação, correu para dentro de casa e se trancou. A pessoa chegou, tocou a campainha por alguns minutos e, vendo que ninguém respondia, foi embora muito mal-humorado. Rafael então saiu de casa, pediu desculpas para Mauro e explicou que aquele era um cobrador. Os negócios não estavam indo bem e ele estava com algumas dívidas, mas como não tinha dinheiro, fugia dos credores toda vez que eles apareciam.
Continuaram conversando animadamente quando, de repente, apareceu um cachorro de rua. O cachorro babava muito e estava com o rabo entre as pernas, sinais típicos de um cachorro com raiva. Desta vez todos se levantaram e correram para se proteger do cachorro raivoso, inclusive Mauro, mas Rafael ficou tranquilamente sentado, enquanto o cachorro passava a poucos metros dele. Quando o cachorro foi embora, Mauro voltou e deu-lhe uma imensa bronca:
- Você ficou maluco? Dos credores você se esconde, mas de um cachorro raivoso você não tem medo? Se você me pedisse dinheiro, em nome da nossa amizade eu pagaria todas as suas dívidas. Porém, se este cachorro raivoso te mordesse, nem todo o dinheiro do mundo poderia te ajudar"
Explica o Chafetz Chaim que muitas vezes nos comportamos na vida como o ingênuo Rafael. Nos cuidamos de muitas transgressões, mas acabamos nos descuidando da pior de todas elas: o Lashon Hará. Enquanto em relação à todas as transgressões D'us pode nos ajudar e nos perdoar, em relação ao Lashon Hará a Sua conduta é muito mais rigorosa. Portanto, devemos tomar muito mais cuidado com o Lashon Hará do que com qualquer outra transgressão.
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Nesta semana lemos a Parashá Chukat que, entre outros assuntos, nos descreve mais uma das muitas reclamações que o povo judeu fez contra D'us no deserto. A punição veio de maneira rápida e dolorosa: cobras venenosas atacaram o povo, causando muitas mortes, como está escrito: "E D'us mandou cobras venenosas contra o povo e elas morderam o povo. Uma grande quantidade de pessoas de Israel morreu. As pessoas vieram a Moshé e disseram:... Reze para que D'us remova de nós a cobra, e Moshé rezou pelo povo. E D'us disse para Moshé: 'Faça uma cobra e coloque sobre um mastro, e cada um que foi mordido olhará e viverá' " (Bamidbar 21:6-8)
Diz o grande rabino Israel Meir HaCohen, mais conhecido como Chafetz Chaim, que é necessário se aprofundar um pouco mais para entender exatamente qual foi o erro do povo e o castigo recebido, pois existem algumas dificuldades nos versículos. Por exemplo, por que o versículo diz que as cobras atacaram "o povo" e depois está escrito que "pessoas de Israel" morreram? Além disso, por que está escrito "remova de nós a cobra", no singular, e não "as cobras", já que eram várias cobras, como está escrito anteriormente "E D'us mandou cobras venenosas"? E finalmente, as cobras somente foram embora depois que Moshé construiu uma cobra e colocou sobre um mastro, mas não imediatamente após a sua Tefilá (reza). Por que a Tefilá de Moshé para que as cobras fossem embora não funcionou imediatamente, como funcionou, por exemplo, para tirar os sapos do Egito?
Para responder estas perguntas é necessária uma pequena introdução. Explica o Chafetz Chaim que a reclamação do povo foi, na realidade, um grande Lashon Hará (maledicência) que o povo fez de D'us e de Moshé, como está escrito "E o povo falou contra D'us e contra Moshé" (Bamidbar 21:5). E diferentemente de outras transgressões, D'us é extremamente rigoroso com o Lashon Hará. Da mesma forma que o estudo de Torá equivale a todas as Mitsvót, o Lashon Hará equivale a todas as transgressões. Mas por que o Lashon Hará é espiritualmente tão grave?
Segundo as fontes místicas judaicas, todas as vezes que cometemos uma transgressão criamos um anjo acusador. Isto não quer dizer que o anjo fica o tempo inteiro ativamente nos acusando. Quando chegar o Dia do Julgamento ele estará lá, e sua própria existência testemunhará contra nós pelo mau ato realizado. Mas com a transgressão de Lashon Hará é diferente, pois o anjo criado com esta transgressão tem boca e língua, já que foi criado através da fala, e por isso fica ativamente acusando, anunciando a grave transgressão cometida e cobrando uma punição ao transgressor.
Explica o Midrash (parte da Torá Oral) que D'us é muito misericordioso e constantemente nos perdoa por muitos pecados cometidos, mas Ele se incomoda tanto com o Lashon Hará que se recusa a ajudar a pessoa que comete esta transgressão. E assim nos ensina o Zohar (livro místico judaico): "Todas as transgressões D'us perdoa, com exceção do Lashon Hará". Por que? Pois quando uma transgressão chega ao Trono do Julgamento, D'us pode ter misericórdia da pessoa e a perdoar, já que o acusador está ali quieto. Mas quando a transgressão é o Lashon Hará, o acusador fica o tempo inteiro exigindo que a pessoa seja punida. É como um juiz que, com misericórdia, quer inocentar o réu de sua culpa. Mas se o acusador fica o tempo inteiro gritando no tribunal e exigindo uma punição, há maneira do juiz inocentá-lo?
Com estes conceitos é possível responder as dificuldades encontradas nos versículos da nossa Parashá. Os verdadeiros culpados pelo Lashon Hará foram pessoas espiritualmente mais baixas, chamadas pela Torá de "o povo". São as pessoas que não se cuidaram e acabaram cometendo esta grave transgressão de falar mal de D'us e de Moshé. Porém, as pessoas em um nível mais elevado, chamadas pela Torá de "Israel", apesar de não terem feito o Lashon Hará, deveriam ter advertido as pessoas do povo e evitado a transgressão, mas não fizeram nada. Por isso morreram muitas "pessoas de Israel", que, apesar de não terem falado Lashon Hará, também não fizeram nada para evitá-lo, sendo juntamente responsabilizadas pela grave transgressão.
Além disso, o Chafetz Chaim explica que, de acordo com as fontes místicas judaicas, quando a pessoa faz Lashon Hará ela cria uma cobra espiritual que fica acusando a pessoa diante do Trono Celestial. Quando Moshé rezou pelo povo, pediu para que "a cobra" fosse retirada, isto é, esta cobra espiritual criada com o Lashon Hará, a responsável pelas acusações contra o povo. Caso esta cobra espiritual fosse retirada por D'us, automaticamente as cobras venenosas, que eram apenas consequência do erro, também seriam retiradas.
Mas D'us respondeu para Moshé que, diferente dos outros acusadores, este não poderia ser simplesmente retirado apenas com a misericórdia. Então Ele ensinou a cura: "Faça uma cobra e coloque sobre um mastro, e cada um que foi mordido olhará e viverá". Como isto salvou o povo judeu? Ensina o Talmud (Rosh Hashaná 29a) que não são as cobras que matam, são as transgressões que as pessoas cometem que matam. A cobra colocada em um mastro fazia com que as pessoas levantassem seus olhos para o céu e voltassem a se subjugar à vontade de D'us, se arrependendo de seu erro tão grave. Somente através da Teshuvá (retorno sincero aos caminhos corretos) elas conseguiam ser curadas.
Fica desta Parashá uma importante lição: o cuidado que devemos ter com o Lashon Hará. Obviamente devemos ser muito rigorosos com todas as transgressões, pois cada uma delas nos afasta de D'us e afeta a nossa espiritualidade. Mas nossa má-inclinação nos faz sermos rigorosos com tudo, mas extremamente lenientes com o Lashon Hará. E o mais interessante é que, mesmo o povo testemunhando o castigo recebido por Miriam por ter falado Lashon Hará de Moshé e o castigo recebido pelos espiões por terem falado Lashon Hará da Terra de Israel, eles não aprenderam a lição, voltando a cometer o mesmo erro mais uma vez. Por que sempre voltamos ao mesmo erro de falar Lashon Hará, apesar de sabermos que é tão grave e causa consequências tão graves?
Infelizmente não dedicamos nosso tempo ao estudo das complexas leis de Shmirat Halashon (cuidados com a nossa fala), que nos ensinam o que realmente é permitido e o que é proibido falar sobre outra pessoa. Com isso, sempre procuramos "permissões" para falar mal de alguém, justificando nossos atos. Esta tentativa de encobrir nossos próprios erros nos afasta da Teshuvá verdadeira, fazendo do Lashon Hará uma transgressão ainda mais grave.
Dizem os biólogos que os peixes morrem pela boca, isto é, se dermos comida demais eles comem até morrer. Mas a verdade é que também os seres humanos morrem pela boca, pois a grande maioria das desgraças que ocorrem no mundo é conseqüência do nosso Lashon Hará. Por isso nos ensinou David Hamelech (Rei David) a solução: "Quem é o homem que deseja vida e ama os dias de ver o bem? Guarda a sua língua do mal e os seus lábios de falarem enganações" (Salmos 34:13,14).
SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com/
Nm. 19:1-22:1, Jz. 11:1-33, Jo. 3:10-21

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