"Havia um fazendeiro judeu muito rico. Certa vez passou pelas suas terras um grande rabino cabalista, conhecedor dos profundos mistérios da Torá. O fazendeiro não desperdiçou a oportunidade de receber alguém tão especial. Convidou-o a se hospedar em sua casa e recebeu-o com todas as honras, oferecendo do bom e do melhor. Conversaram muito durante alguns dias e, em uma das conversas, o rabino cabalista comentou que conhecia a língua dos pássaros. O fazendeiro ficou obstinado com a ideia de entender os pássaros e insistiu muito com o rabino para que lhe ensinasse. Quanto mais o rabino negava, mais o fazendeiro insistia. O rabino, percebendo que não conseguiria dissuadi-lo, concordou em ensiná-lo, mas antes fez uma dura advertência. Avisou que utilizar aquele conhecimento sem o devido cuidado era extremamente perigoso, pois os pássaros podiam prever o futuro, e escutar o que eles diziam poderia ter consequências trágicas.
As advertências tiveram um efeito contrário, pois quando o fazendeiro escutou que seria capaz de prever o futuro, se animou ainda mais. Durante dias aprendeu, com dedicação, a língua dos pássaros. Após algumas semanas o rabino foi embora e o fazendeiro resolveu dar uma volta para testar suas novas habilidades. Escutou então dois pássaros falando que no dia seguinte haveria um grande roubo naquela região. Um bando armado roubaria o gado dos fazendeiros, causando um grande prejuízo. Quando o fazendeiro escutou aquilo, logo correu para tomar as devidas providências. Contratou vários seguranças armados, deixou todo o seu gado trancado no curral e conseguiu, assim, evitar o roubo dos seus animais.
Na manhã seguinte, contente por ter evitado aquele grande prejuízo, ele foi novamente passear e escutou outra conversa entre os pássaros. Eles diziam que no dia seguinte um grande incêndio destruiria parte da fazenda e traria uma terrível perda para o fazendeiro. Novamente o fazendeiro não perdeu tempo. Preparou centenas de baldes d'água, treinou seus funcionários para combater qualquer princípio de incêndio e pediu para que ninguém na fazenda utilizasse fogo naquele dia. Quando um pequeno fogo começou, vindo da fazenda vizinha, os homens bem preparados conseguiram facilmente apagá-lo antes que se transformasse em um incêndio. Novamente ele se alegrou com sua capacidade de mudar o futuro.
Acordou no dia seguinte e, feliz com seu sucesso, foi dar uma volta. Viu alguns pássaros conversando e escutou-os dizendo que ele iria morrer no dia seguinte. O homem ficou desesperado. O que poderia fazer contra a morte? Seria atacado por um ladrão, sofreria um ataque cardíaco fulminante ou seria atingido por um raio? Entendeu que desta vez não conseguiria mudar seu destino e evitar a morte iminente. Lembrou-se então do rabino cabalista e correu para contar-lhe tudo o que havia acontecido, na esperança que ele poderia ajudá-lo. O rabino balançou tristemente a cabeça e disse ao fazendeiro:
- A culpa é toda minha. Nunca deveria ter-lhe ensinado a língua dos pássaros. Eu avisei que era muito perigoso saber o futuro sem estar preparado. Provavelmente você já tinha um decreto de morte celestial, mas por você ter feito a Mitzvá de "Achnassat Orchim" (receber hóspedes) de uma maneira tão completa, D'us quis revogar seu decreto. Mas Ele não podia simplesmente cancelar o decreto, então o transformou em um decreto de sofrimento, através do roubo do seu gado, mas você fez de tudo para cancelar este decreto. Então D'us transformou seu decreto de morte em uma enorme perda financeira que viria através de um incêndio na sua casa, mas você também cancelou este decreto. Agora D'us realmente cumprirá o decreto de morte original, e não nos resta mais nada a fazer..."
Temos que saber olhar todas as dificuldades e sofrimentos como uma grande bondade de D'us, pois somente Ele conhece o futuro e sabe realmente o que é melhor para nossas vidas.
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Na Parashá desta semana, Chukat, os judeus já haviam permanecido no deserto os 40 anos que D'us tinha decretado e estavam em Kadesh, prestes a entrar em Israel. A forma mais curta e rápida seria cortando pelo território de Edom, os descendentes de Essav. D'us ordenou a Moshé que evitasse qualquer tipo de confronto, e então Moshé enviou emissários para falar com o rei de Edom e pedir autorização para atravessar suas terras, garantindo que não seria causado nenhum prejuízo e nada seria tocado. Moshé instruiu seus emissários a começar a conversa contando sobre todo o sofrimento que eles haviam passado durante a dura escravidão no Egito. Por que os mensageiros não foram direto ao assunto?
Explica o Rav Yohanan Zweig que tanto Yaacov quanto Essav teriam direito à terra de Israel, como herdeiros de Avraham Avinu. Mas quando D'us prometeu a Avraham que daria a terra aos seus descendentes, avisou que o pré-requisito seria que eles passassem por um período de sofrimentos e escravidão, como está escrito: "Saiba com certeza que seus descendentes serão estranhos em uma terra que não será deles. E eles os servirão, e eles serão oprimidos por 400 anos" (Bereshit 15:13). Enquanto Yaacov e seus filhos foram para o Egito, para passar pelas dificuldades da escravidão e meritar a terra de Israel, Essav preferiu uma vida tranquila, abdicando do mérito de herdar a terra de Israel, e se estabeleceu na terra de Sehir, fora de Israel. Foi por isso que Moshé mencionou a escravidão, para relembrar aos descendentes de Essav que agora o povo judeu tinha conquistado o direito de ir para a terra de Israel e, portanto, não tinham nenhum interesse no território de Edom. Mesmo assim os argumentos de Moshé não foram suficientes e o rei de Edom proibiu o povo judeu de atravessar suas terras, ameaçando iniciar uma guerra caso eles tentassem passar à força. Moshé poderia facilmente ter esmagado o povo de Edom, como fez posteriormente com os reis Og e Sihon, mas seguiu o comando de D'us e deu a volta, evitando qualquer atrito com eles.
Entre os argumentos utilizados pelos emissários de Moshé, há um que nos chama a atenção, como está escrito: "E gritamos para D'us, e Ele escutou nossa voz, e nos mandou um emissário e nos tirou do Egito" (Bamidbar 20:16). A expressão utilizada para "emissário" é "Malach", que também significa "anjo". Rashi, comentarista da Torá, explica que o versículo se refere a Moshé, e daqui aprendemos que D'us chama Seus profetas de anjos. A geração do deserto teve o grande mérito de ter entre eles um emissário de D'us do nível de Moshé, um verdadeiro anjo, que não apenas ensinava as leis da Torá para o povo, mas o advertia quando se afastava do caminho correto. Porém, por que nós não temos nenhum profeta que reze por nós e implore por misericórdia quando passamos por sofrimentos e dificuldades, como fazia Moshé em sua geração?
O Rav Isroel Meir HaCohen, mais conhecido como Chafetz Chaim, nos ensina que se prestarmos atenção em todo o processo de salvação do povo judeu no Egito, conseguiremos entender como D'us controla o mundo de maneira que sempre o melhor acontece para nós, mesmo quando não conseguimos enxergar isto no momento em que as coisas ocorrem. O peso da escravidão no Egito era terrível, e quando Moshé via o sofrimento dos seus irmãos, tentava ajudar com todas as suas forças. Quando ele via um judeu que já não aguentava o grande peso dos tijolos que carregava nas costas, corria para ajudá-lo a se reerguer e continuar o trabalho. Quando viu um egípcio golpeando um judeu e tentando matá-lo, levantou-se contra o egípcio e salvou o judeu, mesmo colocando sua própria vida em risco. Mas acima de tudo, ele sentia a dor do povo judeu e, com todo o seu coração, rezava e implorava pela salvação do povo. Apesar de Moshé estar pronto para se tornar o líder e salvador do povo judeu, ainda não havia chegado o momento da redenção, pois o povo ainda não estava pronto.
Mas havia um problema no fato de Moshé rezar pela salvação do povo. O exílio era como uma panela no fogo, mas cuja comida ainda não estava completamente cozida. O fogo serve para lentamente cozinhar e deixar a comida no ponto certo. Se uma pessoa retirar a panela antes da hora, causa com que a comida nunca mais fique pronta. As dificuldades no Egito eram como o fogo e o povo judeu era como a comida que ainda não estava pronta. As rezas de Moshé tinham tanta força que poderiam diminuir a escravidão e os sofrimentos do povo judeu. Porém, D'us sabia que todas aquelas dificuldades e sofrimentos eram para o bem do povo, eram parte da preparação para o recebimento da Torá, e não seria bom para todo o futuro do povo judeu acelerar o momento da redenção enquanto eles não estivessem totalmente preparados. Por isso D'us criou uma situação para "tirar Moshé de cena". Após matar um egípcio para proteger um judeu que apanhava, Moshé precisou fugir para Midian para salvar sua vida. Durante todo o tempo em que ele ficou em Midian, a escravidão do povo judeu ficou ainda mais pesada e os sofrimentos aumentaram muito, tudo de acordo com os planos de D'us. A saída de Moshé "aumentou o fogo da panela", acelerando o cozimento e antecipando o momento em que a comida ficaria pronta. Com estes sofrimentos adicionais, D'us conseguiu antecipar o momento da redenção do povo judeu. Dos 400 anos em que os judeus deveriam ter ficado como escravos, eles ficaram apenas 210. Tudo graças aos sofrimentos adicionais pelos quais eles passaram.
O mesmo ocorre em nossa geração. Estamos em uma época onde são imensas as dificuldades e sofrimentos, tanto em nível pessoal quanto em relação ao povo judeu como um todo. Israel não tem paz com seus vizinhos, o antissemitismo ressurge de forma ameaçadora em todo o mundo, sem contar no aumento da violência, das dificuldades financeiras e da banalização dos desvios morais. Mas tudo isso é uma preparação para a redenção final, para a vinda do Mashiach. Se nós tivéssemos também um profeta, que rezasse e implorasse por nós, provavelmente os sofrimentos diminuiriam ou até mesmo terminariam antes do momento certo. D'us quer que o povo judeu volte em arrependimento antes da vinda do Mashiach, pois Ele quer nos dar ainda mais méritos. As dificuldades e sofrimentos, sem nenhum profeta que reze por nós, são justamente o "aumento do fogo" que pode antecipar o fim do grande exílio no qual estamos imersos há mais de 2.000 anos, desde a destruição do nosso Beit Hamikdash (Templo Sagrado).
Desta explicação do Chafetz Chaim fica um dos ensinamentos mais importantes para nossas vidas. D'us vê tudo e controla tudo, Ele sente todo o sofrimento pelo qual passamos e se entristece com todas as nossas tristezas e sofrimentos. Mas Ele sabe que os sofrimentos são a forma de nos despertar e de limpar nossos erros e transgressões. Ele sabe que é a maneira de trazer nossos corações de volta ao caminho correto. Infelizmente, quando a pessoa está tranquila e com abundância, Ela se esquece de D'us e de sua espiritualidade. Somente quando recebemos uma "cutucada" é que nos despertamos. Tudo é para o nosso bem, tudo é feito de maneira que nosso futuro será o melhor possível, mesmo que agora, durante o sofrimento, não conseguimos enxergar.
Precisamos trabalhar a nossa Emuná (fé). Nossos profetas e sábios já haviam previsto que os testes pelos quais as pessoas passariam no final dos tempos seriam muito difíceis, justamente para nos dar muitos méritos. Como ensina a última Mishná do Pirkei Avót (Ética dos Patriarcas): "De acordo com a dificuldade, assim será a recompensa". Aqueles que conseguirem passar os testes do fim dos tempos receberão a devida recompensa. Olhando a história, podemos ter o consolo de que, da mesma forma que as dificuldades no Egito trouxeram muita luz para o povo judeu, assim também todos os sofrimentos pelos quais estamos passando servirão apenas para trazer muitos bons frutos, em breve.
SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Nm. 19:1-22:1, Jz. 11:1-33, Jo. 3:10-21
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