"O Rabino Isroel Meir HaCohen,
mais conhecido como Chafetz Chaim, se esforçou muito para ensinar as leis de uma
das mais terríveis transgressões da Torá: o Lashon Hará, a maledicência, que
pode causar danos físicos, econômicos e até mesmo psicológicos irreversíveis. O
Chafetz Chaim aproveitava cada oportunidade para ressaltar o cuidado que
precisamos ter com a nossa fala.
Certa vez o Chafetz Chaim estava
viajando com seu genro, o Rav Tzvi Levinson, para levantar fundos para a sua
Yeshivá, que ficava em Radin, na Polônia, cidade onde morava. Durante a viagem,
se encontraram com um homem muito rico de Moscou, um judeu muito generoso que
sustentava diversas instituições de Torá e fazia muitos atos de caridade. Eles
foram recebidos com muito respeito e honra. O Chafetz Chaim começou a contar
sobre o andamento da Yeshivá e suas principais necessidades, enquanto o
milionário escutava atentamente.Após alguns minutos, no meio da conversa, o Rav Tzvi pediu licença e foi para a sala ao lado, para enviar um telegrama urgente. O Chafetz Chaim então comentou com o doador:
- Você vê, aqui nesta sala ao lado há agora dezenas de pessoas sentadas, elaborando o texto de seus telegramas antes de enviá-los, pensando em cada palavra que será incluída. Você sabe por quê? Pois após o telegrama ser enviado, a pessoa terá que pagar por cada palavra escrita.
- Esta é a maneira de evitar o Lashon Hará - continuou o Chafetz Chaim - lembrando-se do cuidado que devemos ter com as palavras que dizemos. Pois quando sairmos deste mundo, as palavras utilizadas de maneira equivocada serão cobradas, cada uma delas. Portanto, o conselho é sempre pensar bastante antes de falar qualquer coisa.
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Quando estudamos a Torá, há muito ensinamentos que não estão apenas no entendimento literal dos versículos. Por exemplo, existe um conceito interessante chamado "Smichut Parashiot" (proximidade entre 2 assuntos) que nos revela muitos ensinamentos profundos. O que significa este conceito? D'us poderia ter escrito a Torá da maneira e na ordem que quisesse. Muitas Parashiót estão inclusive fora da ordem cronológica. Portanto, quando encontramos na Torá dois assuntos, aparentemente desconectados, escritos em sequência, é para nos ensinar que estes assuntos estão, de alguma maneira, conectados entre si. É o que ocorre com o assunto do fim da Parashá da semana passada, Bahalotechá, e o assunto do início Parashá desta semana, Shelach.
A Parashá da semana passada terminou com o Lashon Hará (maledicência) que Miriam fez de seu irmão Moshé. Apesar de ter sido com boas intenções, com o intuito de ajudar, e apesar de Miriam amar seu irmão, ela foi castigada com a Tzaraat, doença espiritual que causava manchas por todo o corpo. Nos locais onde a Tzaraat atingia o transgressor, a pele adquiria o aspecto de uma lepra, como se aquela parte do corpo estivesse morta. Já a Parashá desta semana, Shelach, começa descrevendo um dos erros mais graves cometidos pelo povo judeu durante a sua permanência no deserto. Quando o povo estava prestes a entrar em Israel, decidiu enviar 12 espiões em uma missão de reconhecimento da terra. Eles deveriam voltar com boas notícias, pois era uma terra muito boa, a terra onde flui o leite e o mel, a terra que D'us havia prometido para Avraham, Yitzchak e Yaacov. Mas dos 12 espiões enviados, 10 voltaram falando mal da terra, desanimando todo o povo. Qual a conexão entre estes dois assuntos.
Explica Rashi, comentarista da Torá, que os espiões viram as terríveis consequências que aconteceram com Miriam por causa do Lashon Hará, mas não aprenderam nada com isso, pois logo depois repetiram o mesmo erro, fazendo Lashon Hará da Terra de Israel e trazendo graves consequências para si mesmos e para o resto do povo. Os espiões que fizeram Lashon Hará morreram imediatamente em uma praga, enquanto toda aquela geração, que chorou por causa do relato dos espiões, foi proibida de entrar em Israel. O povo judeu ficou por 40 anos vagando pelo deserto, até que todos daquela geração tivessem morrido.
A proibição de Lashon Hará é uma das mais graves da Torá, e aquele que se acostuma a não controlar sua fala pode chegar a transgredir até 31 Mitzvót diferentes. Em Yom Kipur, se prestarmos atenção no Vidui (confissão das nossas transgressões), perceberemos que 25% do nosso arrependimento é em relação ao mau uso da nossa fala. O Beit Hamikdash (Templo Sagrado), que trazia Luz espiritual para todo o mundo, foi destruído por causa do Lashon Hará, há mais de 2 mil anos, e até hoje não tivemos o mérito de reconstruí-lo, pois continuamos caindo nesta grave transgressão.
Mas deste erro do povo judeu ficam algumas perguntas. Em vários lugares da Torá e do Talmud (Torá Oral) estão explícitas as leis e a gravidade do Lashon Hará. Então por que Rashi diz que os espiões deveriam ter aprendido com o erro de Miriam? Eles eram grandes Tzadikim, pessoas em um nível espiritual elevado, com certeza cumpriam as Mitzvót. Por que justamente o Lashon Hará deveria ter sido aprendido através de um "exemplo", se é algo que está explícito na Torá? Além disso, entendemos o castigo de Miriam, que falou mal de um ser humano, mas o que há de tão terrível em falar mal da terra de Israel, um objeto sem vida, que não se ofende?
Explica o Rav Yohanan Zweig que para responder estas perguntas precisamos voltar ao final da Parashá passada. Imediatamente após Miriam ter feito Lashon Hará de Moshé, a Torá escreve um versículo aparentemente fora de contexto: "E o homem Moshé era extremamente humilde" (Bamidbar 12:3). Qual a conexão entre esta característica de Moshé e o Lashon Hará feito por Miriam?
Em geral, o Lashon Hará só é visto como uma transgressão "Bein Adam Lehaveiró" (entre o homem e seu semelhante), isto é, achamos que a consequência mais destrutiva do Lashon Hará é o seu efeito social nocivo. Embora este efeito social negativo seja realmente terrível, afastando pessoas e causando muitas mágoas e desentendimento, na realidade esta não é a maior consequência negativa do Lashon Hará. Há algo ainda pior, uma consequência ainda mais marcante, que são as forças desencadeadas pelo Lashon Hará e que atingem a própria pessoa que falou.
Por que a Torá escreveu, logo após o Lashon Hará de Miriam, que Moshé era uma pessoa tão humilde? Para ressaltar que ele era tão simples, tão desconectado de qualquer sentimento de rancor, que não foi atingido, de nenhuma maneira, pelas palavras negativas que Miriam pronunciou. Portanto, o único dano causado pelo Lashon Hará de Miriam foi o dano causado a ela mesma. Mas que dano foi este?
Quando D'us criou o mundo, criou-o com palavras. E quando D'us criou o ser humano, criou primeiro seu corpo e depois colocou dentro dele uma alma, como está escrito: "E D'us formou o homem do pó da terra, e Ele soprou em seu nariz uma alma de vida. E o homem se tornou uma alma viva" (Bereshit 2:7). Unkelos, que traduziu toda a Torá para o aramaico, traduziu "alma viva" como "alma falante", deixando claro que a fala e a vida estão diretamente conectadas. Se a pessoa utiliza a fala para o bem, se comporta como D'us e traz vida para o mundo. Mas se utiliza a fala para o mal, se afasta de D'us e causa morte e destruição. O Lashon Hará é o oposto da vida e, por isso, causa com que parte do transgressor morra. Isto se reflete na doença espiritual da Tzaraat, que atingia aquele que falava Lashon Hará causando manchas, parecidas com lepra, dando a impressão de que partes do seu corpo haviam morrido, uma alusão à morte causada ao próprio transgressor. Foi por isso que Aharon, ao implorar para que Moshé rezasse por Miriam após ela ter sido atingida pela Tzaraat, disse: "Não deixe que ela esteja como uma morta" (Bamidbar 12:12).
Apesar de a Torá estar repleta de menções explícitas à grave transgressão do Lashon Hará, até o acontecimento com Miriam a mensagem de que o Lashon Hará destrói a vida daquele que fala, mesmo quando aquele sobre quem está sendo falado não é afetado, não estava tão clara. Os espiões perderam a oportunidade de aprender esta lição. Se esta mensagem tivesse sido absorvida pelos espiões, eles entenderiam a gravidade de falar Lashon Hará sobre a terra de Israel, apesar de ser algo inanimado. Pois pior do que o dano que o Lashon Hará causa para o outro é o dano causado ao próprio transgressor.
Diferente de outras transgressões, em que todo o ato conta apenas como uma transgressão, quando a pessoa faz Lashon Hará, cada palavra proferida é uma transgressão por si só. Além de toda a destruição e tristeza que podemos causar aos outros, o pior efeito do Lashon Hará é a destruição que causamos para nossa própria alma. Apesar de não termos mais a Tzaraat, nossa alma continua sendo prejudicada por cada palavra mal utilizada. Por isso, como alguém que vai enviar um telegrama caro, pense bem no que você vai falar, antes de abrir a boca, pois depois de pronunciadas, somente nos restará pagar a conta de cada palavra mal utilizada.
SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojmhttp://ravefraim.blogspot.com.br/
Nm. 13:1-15:41, Js 2:1-24, Hb. 3:7-4:11
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