Qual era o plano da raposa? Ela sabia que o homem a que se referia era um caçador, e que ele havia preparado uma armadilha para pegar feras selvagens. Ele havia cavado um profundo poço e, com folhas e galhos, havia coberto o buraco, sem que nenhum animal conseguisse perceber o perigo. Então ele ficava ao lado do poço, à espera que algum animal caísse na armadilha.
Quando o leão começou a se aproximar do homem, viu que realmente seria um delicioso banquete. Mas um medo começou a lhe incomodar. E se o homem rezasse para que o seu plano de atacá-lo desse errado? E se recaísse sobre ele alguma maldição? Ele sabia da força da reza do homem e o quanto poderia prejudicá-lo. Então a raposa o tranquilizou:
- Não se preocupe, meu amigo. As rezas do homem não recairão nem sobre você nem sobre seus filhos. Talvez, se funcionarem, recairão só sobre os seus netos. Você pode ir tranquilo, pois ficará saciado agora e, até que seus netos nasçam, ainda há muito tempo. Confie em mim.
A fome já estava apertando e, por isso, o leão facilmente foi convencido de que valia a pena. Começou a caminhar lentamente em direção ao homem, confiante, preparando o bote certeiro. Quando estava muito próximo, sentiu o chão desaparecendo e desabou para dentro do poço fundo. Ele havia caído na armadilha do homem. A raposa então foi até a boca do poço e ficou olhando para o leão que, sem entender nada, perguntou para ela:
- Ei, você falou que as desgraças recairiam apenas sobre os meus netos. O que está acontecendo?
- Provavelmente o seu avô atacou algum homem - respondeu tranquilamente a raposa - e a reza daquele homem recaiu sobre você, o neto.
- Mas isto não é justo - gritou o leão - os avós comem doces e é o dente dos netos que fica com cáries?
- Você é muito engraçado, Sr. leão. Por que você não pensou assim desde o começo? Por que você não se importou de se saciar agora e deixar os seus netos pagarem a conta? Agora você não tem o direito de reclamar mais nada"
O grande sábio Hai Gaon contava esta parábola para nos ensinar como se comportam aqueles que são levados apenas pelos seus desejos. No momento em que a vontade fala mais alto, não medem as consequências. Apenas depois percebem o quanto foram tolos e descuidados.
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A Parashá desta semana, Korach,
descreve a rebelião na qual parte do povo judeu participou, e cujo intuito era
derrubar Moshé e Aaron de seus postos de liderança. A rebelião era encabeçada
por Korach, primo de Moshé, e tinha como principal motivador a inveja. Junto com
Datan e Aviran, dois conhecidos causadores de tumulto, Korach conseguiu juntar
250 homens para tentar, através de uma campanha difamatória contra Moshé e
Aaron, assumir o poder. Mas seus planos foram anulados por D'us e os líderes e
suas famílias tiveram um final trágico, sendo engolidos vivos pela terra. Os 250
homens que se deixaram convencer por Korach também tiveram um final trágico,
sendo consumidos vivos por um fogo Divino no momento em que ofereciam um incenso
para D'us.
Quando lemos o relato do que
ocorreu com Korach e seus seguidores, a primeira impressão é que estamos
tratando de pessoas espiritualmente muito baixas. Mas explicam nossos sábios
que, ao contrário do que parece, Korach era um dos maiores da geração, realmente
estava capacitado a ser um dos líderes do povo judeu. Também os 250 homens que o
seguiram eram pessoas elevadas, que poderiam ter se tornado gigantes
espirituais. Então como pessoas tão elevadas caíram em um erro tão tolo?Para aumentar a pergunta, ao analisarmos o argumento que eles utilizaram para justificar a rebelião, percebemos que trata-se de algo completamente irracional. Assim eles falaram para Moshé: "Não é suficiente que você nos tirou da terra do leite e mel para nos matar no deserto?" (Bamidbar 16:13). Estamos falando da geração que sentiu na pele as dores da terrível escravidão no Egito. Depois de tudo o que passaram, como estas pessoas, em seu nível tão elevado, puderam utilizar argumentos tão infundados? Será que eles realmente acreditavam em suas próprias palavras?
Explica o livro "Lekach Tov" que a história de Korach é uma grande advertência para todas as pessoas que acham que são sábias e, por isso, estão protegidas contra o Yetzer Hará, a nossa má inclinação. Na verdade, quando o desejo fala mais alto, não apenas a sabedoria não serve para proteger a pessoa, mas o Yetzer Hará a utiliza para justificar os maus atos, transformando, aos olhos do transgressor, os erros em bons atos. Foi o que aconteceu com Korach, que até o fim pensou estar certo, mesmo utilizando argumentos que até mesmo uma criança saberia que são completamente infundados. Ele estava cego pelo desejo de poder, não conseguiu enxergar o óbvio, e pagou caro por sua obstinação.
É isto o que vemos na parábola trazida pelo grande sábio Hai Gaon. O leão, o rei dos animais, apenas caiu na armadilha da raposa por causa do seu desejo incontrolável por um pouco mais de carne. O que ele entendeu com facilidade depois que seu desejo havia desaparecido, algo que era lógico e óbvio, ele não havia conseguido enxergar no princípio, quando ainda estava completamente dominado pelas suas vontades.
Este conceito pode ser visto até mesmo nos nomes dos nossos órgãos, cada um representando uma das nossas forças que utilizamos para tomar decisões. O cérebro, centro da razão, é חמ (Moach). O coração, centro das emoções, é בל (Lev). O fígado, centro dos desejos, é בדכ (Caved). Utilizando as iniciais do nome dos órgãos, aprendemos o que ocorre quando tomamos as decisões de maneira correta ou de maneira incorreta. Se uma pessoa toma decisões com a cabeça, utilizando os sentimentos e os desejos apenas de maneira secundária, ele se torna um "Melech" לךמ (rei), pois governa sobre si mesmo, adquire o autocontrole. Se a pessoa decide primeiro com seus sentimentos e somente depois com a razão, ele se torna um "Lemech" למך (bobo), pois faz bobagens ao tomar decisões sentimentais, muitas vezes irracionais. Mas o pior de tudo é quando a pessoa decide com seus desejos em primeiro lugar, e não com a razão, e se torna um "Clum" כלם (nada), pois perde o que o diferencia dos animais: o uso do intelecto para ter domínio sobre suas vontades.
É interessante perceber que a Parashá da semana passada, Shelach, terminou justamente com este ensinamento. A Parashá terminou com a Mitzvá de Tziztit, onde está escrito o seguinte versículo: "E não sigam atrás dos seus corações e atrás dos seus olhos, atrás dos quais vocês se desviam" (Bamidbar 15:39). O Tzitzit que vestimos, com seus fios aparentes, é justamente um lembrete constante de que devemos controlar os nossos desejos e sentimentos, pois se tomarmos nossas decisões baseadas apenas nos olhos que veem e no coração que deseja, as consequências serão devastadoras.
É o que infelizmente vemos atualmente na nossa sociedade, onde as pessoas correm atrás dos seus desejos e se afastam cada vez mais da espiritualidade. Uma sociedade onde são criados sites que incentivam a traição. Uma sociedade onde os jovens bebem e voltam dirigindo para casa, sem se importar com as consequências. Uma sociedade onde o mais importante é a comida ter sabor, não importa o quanto é prejudicial à saúde. Resumindo, uma sociedade onde quem domina e toma as decisões são os desejos e não o racional.
A solução é nos conectarmos aos valores espirituais. As Mitzvót, por exemplo, nos ajudam a desenvolver o autocontrole, nos ajudam a ajustar as prioridades, nos ajudam a saber, mesmo nos pequenos detalhes do cotidiano, qual o caminho correto a ser seguido.
Uma dica prática para evitar seguir cegamente os desejos é escutar o conselho do Pirkei Avót (Ética dos Patriarcas): "Leve em consideração o que você ganha com uma transgressão e o que você perde" (Cap. 2 Mishná 1). Os prazeres proibidos duram poucos instantes, enquanto suas consequências, tanto no mundo material quanto no mundo espiritual, podem durar para sempre. Vale a pena pensar nisso e se controlar.
SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/search/label/Parash%C3%A1%20Korach
Nm. 16:1-18:32, 1 Sm. 11:14-12:22, At 5:1-11
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