sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

RASO OU PROFUNDO? - CHÁNUKA II 5775

"Certa vez um professor de moral e ética de uma escola tradicional foi pego traindo a esposa, um ato completamente imoral. Foi um grande choque saber que justamente aquele que ensinava moral e ética se comportava de maneira tão vergonhosa. O professor foi chamado pelo diretor da escola para dar explicações, mas ao contrário do que era esperado, ele não pediu desculpas e nem se envergonhou do seu comportamento imoral. Ele ainda quis se justificar:

- Por acaso o professor de matemática precisa ser um triângulo? Ou o professor de biologia precisa ser uma batata? Então por que eu, só por dar aula de moral e ética, preciso ser uma pessoa moral e ética?"

Infelizmente este comportamento é um dos legados da superficialidade da cultura helenista. Quando Aristóteles, o grande filósofo grego, certa vez foi pego cometendo um ato imoral, ele foi questionado por seus alunos se aquilo não era contraditório com seus ensinamentos. Sem se abalar, ele explicou: "Naquele momento em que eu estava fazendo aquele ato, eu não era o Aristóteles".
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Neste Shabat lemos a Parashá Miketz e continuamos comemorando a festa de Chánuka, que relembra a incrível vitória militar do povo judeu sobre o poderoso exército grego e o posterior milagre do óleo, que era suficiente para acender apenas um dia da Menorá que havia no Beit Hamikdash (Templo Sagrado), mas durou oito dias, tempo suficiente para que mais óleo puro fosse produzido. Inicialmente os Yevanim (gregos) vieram a Israel sem intenção de nos atacar militarmente, pois eles acreditavam que poderiam influenciar o povo judeu a abandonar a Torá e as Mitzvót através da ideologia "iluminada" do Helenismo, que eles consideravam como sendo uma forma superior de vida. Porém, como a maioria do povo judeu resistiu às suas tentativas de assimilação, os gregos se tornaram hostis e começaram a obrigar os judeus a abandonarem a Torá. Um pequeno grupo de judeus iniciou uma rebelião e conseguiu expulsar os gregos. A partir daí nossos sábios decidiram estabelecer uma comemoração permanente desta vitória.

Mas sabemos que no judaísmo as festas não são apenas recordações de algo que aconteceu no passado. Por que continuar comemorando um evento que ocorreu há mais de 2 mil anos? Explica o Rav Yehonasan Gefen que para aprender lições atuais do conflito entre os judeus e os gregos, devemos entender com maior profundidade exatamente o que estava em jogo, e para isso precisamos voltar à descrição que a Torá faz dos antepassados que deram origem aos judeus e aos gregos. Noach (Noé) tinha três filhos: Shem, que deu origem ao povo judeu; Yefet, que deu origem aos gregos; e Cham. A Torá descreve um incidente envolvendo os três filhos de Noach que traria consequências importantes para seus descendentes. Logo após o dilúvio, Noach desceu da arca, se embebedou e ficou nu em sua tenda. Cham, o filho mais novo, não queria dividir a herança de seu pai com mais irmãos, então aproveitou para castrar seu pai, evitando que ele tivesse mais filhos. Quando Shem e Yefet escutaram que Noach estava nu na sua tenda, foram imediatamente cobri-lo para diminuir sua vergonha, e ambos foram recompensados por este bom ato. Os descendentes de Shem foram recompensados com a Mitzvá de vestir uma roupa contendo "Tzitzit", enquanto os descendentes de Yefet foram recompensados com um enterro digno dos corpos de seus soldados após as batalhas. Mas por que esta diferença, se aparentemente o ato foi o mesmo? Por que os descendentes de Shem meritaram uma nova Mitzvá, que é uma oportunidade para crescer em espiritualidade, enquanto a recompensa de Yefet foi apenas um benefício para o corpo?
Explica Rashi (França, 1040 - 1105), comentarista da Torá, que foi Shem quem iniciou o ato de cobrir seu pai, e somente depois Yefet se juntou a ele. Isto quer dizer que Shem teve uma incrível agilidade e preocupação com a vergonha de se pai, enquanto Yefet apenas seguiu o que seu irmão já tinha começado a fazer. Além disso, há outra enorme diferença entre os dois atos: a Kavaná (intenção) de cada um deles. Quando Shem viu a nudez de seu pai exposta, ele entendeu que aquilo era um enorme problema espiritual, associado à falta de Tzniut (recato), e por isso teve a reação imediata de cobrir seu pai para tirá-lo daquele estado de vergonha. Já Yefet não reagiu imediatamente, pois não considerava a nudez um problema. Ele somente tomou uma atitude quando percebeu que o corpo do seu pai havia sido mutilado, "estragando" sua perfeição natural e necessitando ser coberto por causa da vergonha de seu corpo não estar intacto. Como Shem viu o ato de cobrir seu pai como algo que podia trazer dignidade ao ser humano, então ele foi recompensando com a mais digna forma de vestimenta: o Tzitzit, que carrega o "emblema" de D'us. Já Yefet, que somente viu problemas na exposição de um corpo nu por causa de sua mutilação, meritou que os corpos de seus descendentes não ficariam abandonados ao apodrecimento nos campos de batalha, e sim seriam honrados através de um enterro digno.

Imediatamente após este incidente, Noach fez uma importante afirmação: "D'us dará beleza para Yefet, e ele habitará nas tendas de Shem" (Bereshit 9:27). Os comentaristas explicam que Yefet recebeu a Brachá (Benção) do tipo mais superficial de beleza. Mas para que este tipo de beleza seja utilizada da maneira correta, ela deve estar na "tenda de Shem", isto é, deve ser utilizada para aumentar a espiritualidade do ser humano. Há um interessante ensinamento do Talmud (Meguila 9b), baseado no versículo mencionado acima, que ensina que um Sefer Torá somente pode ser escrito em duas línguas: hebraico e grego. O Talmud está dando um exemplo de como a beleza de Yefet, quando utilizada na tenda de Shem, pode produzir uma linda combinação.

Por que Noach deu esta Brachá para Shem e Yefet logo depois do incidente ocorrido? Apesar de utilizar uma lógica equivocada, da beleza e perfeição do corpo, Yefet se juntou ao bom ato de seu irmão Shem, que fazia o ato com as intenções espirituais corretas. Apesar de Yefet não ter a intenção correta, junto com Shem ele fez o ato correto, tirando a vergonha de seu pai. E esta foi a Brachá, de que se Yefet estivesse continuamente junto com Shem, aprenderia a fazer os atos corretos e com as intenções corretas. Ele continuaria a apreciar a perfeição do corpo e sua beleza, mas canalizaria isso para o lado espiritual, aprofundando algo que era apenas superficial.

Porém, a Brachá de Noach foi bem clara: isto somente se aplica quando Yefet se esforça para se aprofundar na sua apreciação da beleza e conectá-la com a espiritualidade de Shem. Mas quando Yefet rejeita este aprofundamento, o resultado é que a beleza rapidamente se degrada e se transforma em algo apenas físico e superficial. Foi o que ocorreu com os gregos, que enfatizaram apenas a beleza física do ser humano, e acabaram praticando atos grosseiros de indecência e imoralidade.

Explica o Rav Chaim Friedlander (1923 - Israel, 1986) que há outro aspecto que ressalta a superficialidade dos gregos. Também na área da sabedoria os gregos eram muito superficiais, isto é, o que eles sabiam não influenciava no que eles eram, como se justificou Aristóteles ao deixar claro que os ensinamentos de sua sabedoria não deveriam obrigatoriamente se refletir em seus atos cotidianos. Por outro lado, o judaísmo representa justamente o contrário desta superficialidade grega. A Torá nos obriga a aplicarmos suas lições à nossa parte mais interior. Uma pessoa que estuda Torá e não a aplica em seus atos cotidianos não é considerado um verdadeiro estudioso de Torá. Estas diferenças entre os gregos e o povo judeu causaram este grande antagonismo entre as duas nações, e ao invés de apreciar a profundidade dos ensinamentos da Torá, os gregos reagiram com inveja e fizeram enormes esforços para destruir esta forma de sabedoria "rival". A superficialidade dos gregos pode ser percebida até mesmo nas letras de seu nome. "Yavan" é escrito com as letras "yud", "vav" e "nun sofit", sendo as três letras finas e retas, sem nenhuma "espessura", demonstrando que Yavan era uma nação superficial.

Portanto, esta guerra entre os gregos e o povo judeu não foi apenas uma batalha militar entre duas nações lutando pelo poder, mas sim uma batalha espiritual, um choque entre duas ideologias: a superficialidade de Yavan contra a espiritualidade profunda de Israel. Esta foi a primeira guerra ideológica da história da humanidade, um choque entre duas perspectivas de vida que não podiam coexistir de forma pacífica. Por isso todos os anos recordamos o conflito judaico-helenista, que aconteceu há mais de 2 mil anos atrás, pois apesar de termos sido vitoriosos naquela batalha, a luta continua até os nossos dias.

A Cultura Ocidental foi fortemente influenciada pela forma de pensar dos gregos, em especial a superficialidade, a falta de espiritualidade e a busca pela beleza do material sem nenhuma profundidade. Esta guerra existe inclusive dentre aqueles que estão conectados com a Torá. Por exemplo, muitas pessoas julgam os outros mais pelas roupas que usam do que pelos seus traços de caráter, criando rótulos de "kasher" ou "não kasher" sem nem mesmo conhecer as pessoas. Mesmo quando julgamos a nós mesmos, sentimos que usar roupas "religiosas" é um grande indicador do nosso sucesso espiritual, e não fazemos uma real reflexão sobre o nosso comprometimento com a Torá e com as Mitzvót. Muitas vezes nos preocupamos mais em como os outros nos veem rezando do que com a nossa real conexão com D'us no momento da Tefilá. Estes são apenas alguns poucos exemplos que demonstram o enorme risco de que toda a Torá que aprendemos se mantenha apenas em um nível superficial, sem conseguir penetrar em nossos corações e influenciar nossos traços de caráter.

Vemos que no mundo não judaico, e também no mundo judaico, ainda é muito forte a influência da ideologia grega. Portanto, a guerra contra os gregos não é algo do passado, é algo do presente, é uma luta que cada um de nós deve lutar. A luta contra a superficialidade, contra os rótulos que criamos em nossas cabeças, contra a exaltação da beleza física sem nenhum tipo de profundidade. Quando acendemos cada uma das velas de Chánuka, é uma nova chance de abrirmos nossos corações, para que todo o nosso conhecimento de Torá possa penetrar e nos preencher, e não permanecer dentro de nós apenas de maneira superficial.

Que em Chánuka possamos não apenas vestir roupas "religiosas", mas possamos também meritar um coração "religioso", que não rotula as pessoas e que absorve e transforma em bons atos todos os nossos conhecimentos de Torá.

SHABAT SHALOM e CHÁNUKA SAMEACH

Rav Efraim Birbojm
 

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