"O rabino Naftali Tzvi Yehuda Berlin, mais conhecido como Netziv, foi um dos maiores sábios do povo judeu nos últimos 200 anos. E talvez muito do seu gigantesco crescimento espiritual deveu-se à educação que recebeu de seu pai, principalmente em termos de exemplo pessoal. O Netziv conta que certa vez seu pai trouxe para casa alguns objetos de vidro muito caros. Quando a empregada da casa foi fazer a limpeza, ela acidentalmente quebrou um dos objetos de vidro. A mãe do Netziv ficou extremamente aborrecida e, como a empregada recusava-se a pagar pelo prejuízo, resolveu levar o caso para um Beit Din (Tribunal Rabínico).
No dia do julgamento, a mãe do Netziv estava saindo de casa quando viu que seu marido também se arrumava para sair. Ela questionou:
- Aonde você vai?
- Estou indo ao Beit Din, para acompanhar o julgamento – disse ele, tranquilamente.
- Você não precisa vir junto – respondeu a esposa, visivelmente irritada – Eu sei muito bem como argumentar no Beit Din.
- Não se preocupe, eu não estou indo para ajudar nos seus argumentos – respondeu o marido – Eu estou indo para ajudar a nossa empregada. Ela é uma moça órfã e provavelmente não terá ninguém para defendê-la. Eu quero ter certeza de que ela terá um julgamento justo"
Enquanto muitas pessoas preferem viver na mentira e no comodismo, muitos se destacaram pelo comprometimento em viver uma vida de Emet (verdade), não importando o quanto isto custasse.
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Na próxima terça-feira de noite será Shavuót, uma das festas mais importantes do calendário judaico, cuja essência é o recebimento da Torá. Segundo o judaísmo, as nossas festas não são meras lembranças de eventos passados, e sim a oportunidade de reviver algo que ocorreu e marcou espiritualmente a história do povo judeu. Mas o que significa reviver o recebimento da Torá? Se ela já nos foi entregue há mais de 3.000 anos, como podemos recebê-la novamente?
Para entender este conceito, precisamos antes entender um interessante ensinamento do Talmud (Torá Oral). Há um versículo que fala sobre a entrega da Torá no Monte Sinai, e assim está escrito: "E reuniram-se sob a montanha" (Shemot 19:17). O Talmud questiona o porquê de estar escrito "sob a montanha" e não "ao redor da montanha"? O Talmud responde que D'us levantou o Monte Sinai sobre a cabeça do povo judeu e disse: "Se vocês quiserem receber a Torá, tudo bem. Se não, lá será seu túmulo". Para uma religião tão embasada no conceito de livre arbítrio, isto parece, à primeira vista, incompreensível. O que D'us estava nos ensinando quando levantou a montanha sobre nossas cabeças?
Vivemos em um mundo repleto de leis físicas naturais. Podemos viver conscientes destas leis e suas implicações, ou podemos optar por ignorar estas leis, por nossa própria conta e risco. Mas a nossa escolha de ignorar as leis físicas não determina se elas se aplicam a nós ou não. Por exemplo, uma pessoa pode optar por ignorar a força da gravidade. Mesmo assim, se ela saltar pela janela, ela cairá no chão. O fato da pessoa acreditar ou não nas leis da natureza não muda a sua existência.
Explica o Rav Simcha Barnett que D'us quis, no Monte Sinai, ensinar ao povo judeu um lição muito parecida, mas desta vez em relação às leis espirituais. O Monte Sinai foi o primeiro contato direto, de um povo inteiro, com o Criador do mundo. A entrega da Torá mudou o rumo do povo judeu e da humanidade. Eles entenderam que, daquele dia em diante, suas vidas deveriam ser vividas com significado e de acordo com o propósito estabelecido na Torá. Quando D'us levantou a montanha sobre o povo, Ele estava ensinando uma preciosa lição: a Torá nos traz um conjunto de leis espirituais que regem o mundo, tão imutáveis quanto as leis físicas da natureza. Da mesma forma que não podemos escolher viver sem a lei da gravidade, assim também não podemos viver fora das leis espirituais que regem o mundo criado por D'us.
Se uma pessoa ignora as leis do mundo material, ela pode morrer. Por exemplo, é o que ocorre com alguém que opta por não comer. Assim também acontece no mundo espiritual, pois se ignoramos a realidade espiritual da vida, podemos morrer espiritualmente. Pessoas que vivem sem espiritualidade podem parecer que estão vivas, mas é apenas por fora, pois por dentro estão vazias. Quando não alimentamos nossa alma com espiritualidade, seu brilho vai se apagando, pouco a pouco.
O teste do povo judeu na entrega da Torá não foi acreditar ou não acreditar. A revelação de D'us foi muito clara e óbvia, não havia nenhuma dúvida. O teste foi saber se eles aceitariam conviver com a nova realidade ensinada por D'us, mesmo que isso significasse abandonar o comodismo, ou se voltariam a viver em um mundo de ilusões. A aceitação da Torá foi um grande ato, porque foi a aceitação da realidade.
Desde então a humanidade tem lutado contra a aceitação de uma realidade imposta externamente. É muito mais confortável definir nossas próprias leis e criar nossa própria religião, fazer com que as regras curvem-se a nós ao invés de nos curvarmos a elas. Todos nós temos esta tendência de se esconder e fugir da realidade, evitando decisões e escolhas difíceis, sejam elas em nossos relacionamentos, nossas carreiras ou nossa imagem pública.
Apesar da Torá ter sido entregue há mais de 3.000 anos, em Shavuot podemos recebê-la novamente ao declararmos que queremos viver de acordo com a realidade, queremos fugir das ilusões que dominam nossas vidas, queremos uma vida com um significado real. O desafio de Shavuot é querer viver de acordo com a realidade, mesmo que não seja a escolha mais fácil e cômoda.
A festa é chamada de "Shavuot", que significa literalmente "semanas", porque contamos sete semanas entre Pessach e Shavuot. As sete semanas conectam as duas festas, fazendo com que Shavuot seja o "oitavo dia" de Pessach. Enquanto em Pessach nós ganhamos a liberdade, em Shavuot ganhamos um propósito e uma direção para fazer com que nossa liberdade seja significativa. Enquanto em Pessach nos foi dado acesso ao livre arbítrio, uma ferramenta muito poderosa, em Shavuot nos foi dado o "Manual de Instruções" para utilizarmos essa ferramenta e alcançarmos nossa verdadeira grandeza.
Podemos fugir por um tempo da realidade. Mas fugir é como esconder uma bola dentro da água. Ela pode até ficar por um tempo escondida. Porém, mais cedo ou mais tarde, ela voltará com força à tona, causando vários respingos.
"Você pode correr, mas você não pode fugir"
SHABAT SHALOM e CHAG SAMEACH
Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com/
Chag HaShavuôt
Pentecostes – Semanas
Ex. 19:1-20:23 (Maftír – Nm. 28:26-31), Ez. 1:1-28; 3:12, Jo. 1:32-34, Mt.3:11-17
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