sexta-feira, 8 de abril de 2011

LEVANTANDO 7 VEZES

PARASHÁ METSORÁ 5771 (08 de abril de 2011)

"Havia um rei que reinava com bondade e justiça. Mas ele não tinha certeza se as pessoas realmente gostavam dele. Então ele teve uma idéia: se fantasiou como um mendigo e saiu pelas ruas, para escutar pessoalmente do povo o que diziam sobre ele.
O rei, que nunca havia caminhado sozinho pelas ruas da cidade, acabou entrando por engano em uma viela escura e foi assaltado por um bando de bandidos cruéis. Os bandidos roubaram tudo o que ele tinha e ainda queriam machucá-lo, mas um dos ladrões, que teve uma faísca de misericórdia em seu coração, ferozmente protegeu o suposto mendigo do ataque dos outros ladrões e ajudou-o a escapar ileso.
Quando o rei chegou ao palácio, decidiu fazer um grande banquete para comemorar sua salvação milagrosa. Chamou todos os seus ministros e pessoas importantes do reino, e também fez questão de convidar o ladrão que havia salvado sua vida.
No dia do banquete, estavam sentados à mesa os ministros e as pessoas distintas, com suas roupas chiques e impecáveis, quando de repente entra no salão o ladrão, com suas roupas simples e velhas. Imediatamente ele se sentiu desconfortável na presença de pessoas tão bem vestidas e quis ir embora. Os ministros também se sentiram incomodados e olharam, perplexos, aquele sujeito vestido de maneira inadequada em pleno salão de banquetes do rei.
Mas a surpresa maior foi quando o rei entrou no salão e, antes de cumprimentar as pessoas importantes, dirigiu-se diretamente ao ladrão, deu-lhe um grande abraço e convidou-o a sentar ao seu lado na mesa principal, dando-lhe uma grande honra. Vendo o espanto nos olhos dos outros convidados, o rei explicou:
- Este banquete é um agradecimento por minha vida ter sido salva. E este homem é o verdadeiro responsável pela minha salvação. Se hoje vocês têm um rei, é pelo mérito dele. Por isso, em agradecimento, eu o convidei para o banquete e quero fazer dele um dos meus maiores ministros"
Explica o Rav Itzele Blazer que a pessoa que comete um erro mas se arrepende sinceramente e abandona suas transgressões é como se proclamasse no mundo inteiro que D'us é o Rei. Por isso D'us ama mais aquele que errou e se arrependeu do que aquele que nunca caiu.
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Na Parashá desta semana, Metsorá, a Torá descreve o processo de purificação de uma pessoa que havia contraído a doença espiritual de Tzaráat, que atacava aqueles que cometiam alguns tipos de transgressões graves, entre elas o "Lashon Hará", falar ou escutar informações que denigrem outra pessoa. Entre os processos de purificação estava a imersão em uma Mikve (banho ritual), como está escrito "E a pessoa em processo de purificação... deve imergir na água e tornar-se puro" (Vayikrá 14:8). Qual o significado da imersão na Mikve como parte do conserto de um erro cometido?
Todos nós cometemos erros na vida. Levados pelos nossos desejos, pela honra ou pela inveja, fazemos besteiras e nos desviamos. Mas ao "cair na real", isto é, ao percebermos a grande tolice que fizemos, nos vem um forte sentimento de culpa e desânimo. Em geral este sentimento tem um efeito indesejado e causa uma consequente queda espiritual acentuada, pois às vezes a pessoa fica tão transtornada com o erro que cometeu que chega a despencar espiritualmente por não ter força para continuar. Neste sentido, a conseqüência da transgressão acaba sendo mais prejudicial do que a própria transgressão.
A Torá traz alguns exemplos de pessoas que, ao cometerem algum pecado ou falharem em alguma decisão, sofreram uma enorme queda espiritual. Um dos casos clássicos é o de Orpá, cuja história está descrita no livro de Ruth. Naomi tinha duas noras, Ruth e Orpá. Quando Naomi decidiu voltar para Israel, Ruth e Orpá, que vinham de povos idólatras, decidiram que iriam se converter ao judaísmo e aceitariam sobre si um único D'us. Neste ponto, o nível espiritual de Orpá era tão elevado quanto o de Ruth, a bisavó do Rei David. Mas quando Naomi insistiu para que Ruth e Orpá voltassem para suas casas, Orpá não conseguiu mais passar no teste e decidiu voltar para sua casa e para suas idolatrias em Moav. O que seria lógico acontecer? Que com este erro isolado Orpá tivesse permanecido em um patamar espiritual elevado, apenas um pouco mais baixo que o de Ruth. Mas o Midrash (parte da Torá Oral) nos relata que na mesma noite em que Orpá abandonou Naomi e voltou para sua casa, ela afundou em um dos mais baixos níveis de depravação. Como esta queda ocorreu de forma tão dramática, em apenas uma noite?
Explica o Rav Chaim Shmulevitz que quando Orpá viu que havia falhado no grande teste de abandonar suas idolatrias para receber sobre si a existência de um único D'us, ela ficou tão abalada que perdeu completamente seu equilíbrio espiritual. Ela não conseguiu deixar de lado seu erro e recomeçar, e por isso acabou caindo de vez nas mãos do seu Yetzer Hará (má-inclinação). Mas então qual a solução para que este tipo de desânimo não nos domine quando cometemos alguma transgressão?
A dica está na Parashá desta semana. Explica o Sefer HaChinuch que o mundo, antes da criação do ser humano, estava completamente coberto de água. O mergulho nas águas da Mikve simboliza, portanto, uma volta ao começo da criação, antes do erro de Adam Harishon. Mergulhar completamente na água da Mikve representa deixar para trás as transgressões e recomeçar de cabeça erguida. Mesmo que a pessoa que se contaminou com a Tzaráat havia pecado de maneira grave, a Torá nos ensina que ela não estava condenada a uma queda perpétua. Ele podia, através de um arrependimento sincero, deixar seus erros para trás e recomeçar.
Este conceito está nas próprias características construtivas da Mikve. A medida mínima de água natural de uma Mikve é de 40 seá (seá é uma medida de volume da Torá). O número 40 aparece em diversas ocasiões importantes da Torá. Por exemplo, foram 40 dias de chuva durante o dilúvio e 40 anos que o povo judeu permaneceu no deserto. Qual o ponto em comum entre a Mikve, o dilúvio e o tempo em que o povo judeu permaneceu no deserto?
Na geração de Noach as pessoas haviam se corrompido completamente. D'us então decidiu destruir o mundo inteiro e recomeçar através da família de Noach. No deserto o povo judeu também cometeu o terrível pecado dos espiões, quando a maioria do povo perdeu sua Emuná (fé) em D'us e todos choraram sem motivo. D'us jurou que aquela geração não entraria na Terra de Israel e, por isso, decretou que eles permaneceriam por 40 anos no deserto, para que toda aquela geração fosse renovada. O ponto em comum entre os dois eventos é a renovação, mesmo após graves transgressões. É isso que o número 40 representa, a possibilidade de um novo começo. E é este o propósito da pessoa que contraiu Tzaráat ir à Mikve: a chance do transgressor levantar a cabeça e, apesar do grave erro cometido, seguir em frente no seu trabalho espiritual.
Esta é a mesma idéia que Shlomo Hamelech (Rei Salomão) nos ensina: "Tzadik é aquele que cai sete vezes e se levanta" (Mishlei – Provérbios 24:16). Shlomo Hamelech nos ensina que o Tzadik não é aquele que nunca cai, pois isto é impossível. A Torá nos descreve que mesmo os gigantes espirituais do povo judeu cometeram erros. A Torá atesta que "Nunca mais se levantou em Israel um profeta como Moshé, que conheceu D'us face a face" (Devarim 34:10). Este é o mesmo Moshé que bateu na pedra, indo contra o que D'us havia pedido. A grandeza de Moshé não está no fato dele nunca ter errado, pois ele, como todos os seres humanos, também cometeu erros. A grandeza está no fato dele conseguir a força para se levantar e continuar seu crescimento espiritual. Portanto, segundo a Torá, Tzadik é aquele que, apesar de cair, não desiste. Ele se renova e recomeça de cabeça erguida.
Ensina o Talmud algo impressionante: "No lugar onde se encontra um Baal Teshuvá (pessoa que se desviou, mas se arrependeu e voltou aos caminhos corretos), mesmo um Tzadik Gamur (uma pessoa completamente Justa) não pode chegar". Quando uma pessoa nos magoa ou nos irrita, mesmo depois que fazemos as pazes com ela, o amor não volta o mesmo, ficam algumas marcas. Mas D'us não se comporta como os seres humanos. Quando alguém comete transgressões e depois faz Teshuvá, D'us ama a pessoa ainda mais do que amava antes. Pois D'us vê no esforço da pessoa a sua vontade sincera de consertar os erros cometidos.
O sentimento de remorso pode e deve ser utilizado de forma positiva. Podemos canalizar e utilizar este sentimento para nos proteger, evitando futuras transgressões. Mas temos que aprender a lição da Mikve, a possibilidade de se renovar, o ensinamento de não ficarmos atolados nos nossos erros. Errar é humano, o diferencial está em levantar a cabeça e continuar, sem desânimo, o nosso caminho de crescimento.
SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com/

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