sábado, 27 de novembro de 2010

Roberto Rodrigues: "Precisamos de um PAC para o agronegócio"

Revista Época

José Fucs
O ex-ministro da Agricultura diz que o Brasil tem de ser mais agressivo para se consolidar como o maior produtor global de alimentos e de "energia verde"

O empresário rural Roberto Rodrigues, de 68 anos, primeiro ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do governo Lula, conhece como poucos o agronegócio brasileiro. Segundo ele, o Brasil tem tudo para se consolidar como o principal produtor global tanto na área de alimentos como na de biocombustíveis. Mas Rodrigues diz que falta ao país uma política de Estado para o setor e uma estratégia mais agressiva para aproveitar as oportunidades no mercado externo. “O que me faz chorar é isso. O mundo espera muito de nós, mas nós não nos oferecemos ao mundo.”
ENTREVISTA - ROBERTO RODRIGUES
QUEM É
Ex-ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (2003-2006), é dono de fazendas de cana-de-açúcar, soja e milho em Jaboticabal, São Paulo
O QUE FAZ
É coordenador do Centro de Agronegócios da Fundação Getulio Vargas (FGV), presidente do Conselho Superior de Agronegócio da Fiesp e professor de economia rural da Universidade Estadual Paulista (Unesp)
O QUE ESTUDOU
Formou-se em engenharia agronômica pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, de Piracicaba (SP), em 1965
ÉPOCA – Como o Brasil alcançou destaque no agronegócio, nos últimos anos?
Roberto Rodrigues – O Brasil conquistou essa posição na marra, porque nossa eficiência prevaleceu. Com o apoio fundamental da pesquisa e o uso de uma tecnologia avançada, o Brasil desenvolveu uma agricultura e uma pecuária competitivas. Mesmo sem a conclusão do Acordo de Doha, para redução de subsídios agrícolas dos países desenvolvidos, e sem nenhum acordo bilateral, conquistamos mercados.
ÉPOCA – O que precisa ser feito agora para o Brasil consolidar sua liderança?
Rodrigues – O grande problema do agronegócio brasileiro é a inexistência de uma estratégia de Estado na área. Não é apenas o Executivo que tem de entrar nisso. O Legislativo também, harmonizando os interesses das bancadas ruralista e ambientalista, dos Estados. O Judiciário, idem.
ÉPOCA – O problema não é a falta de uma boa política agrícola para estimular o produtor rural a investir mais?
Rodrigues – O Brasil tem uma excelente política agrícola, que inclui o seguro rural e uma legislação moderna nas áreas de biossegurança, de alimentos orgânicos, de armazenagem. Quando estava no governo, criei uma área de planejamento estratégico e as secretarias de Relações Internacionais e de Agroenergia, além de 22 câmaras setoriais. Mas nada disso funciona sem uma estratégia de Estado. Para o agronegócio avançar, tem de haver articulação entre vários órgãos.
ÉPOCA – Que articulação seria essa?
Rodrigues – O orçamento é feito pelo Ministério do Planejamento. A liberação de recursos, pela Fazenda. Quem define os juros e o câmbio é o Banco Central. O crédito envolve o BNDES e o Banco do Brasil. Quem define as prioridades para construção de estradas, ferrovias e portos é o Ministério dos Transportes. Quem estabelece as regras da agroenergia é o Ministério de Minas e Energia... Por isso faz todo o sentido um plano nacional de desenvolvimento do agronegócio, uma espécie de PAC para o setor.
ÉPOCA – Fora a gestão, quais seriam as prioridades do agronegócio no país?
Rodrigues – É preciso cuidar de seis pilares fundamentais. O primeiro é a renda, com o seguro rural, o crédito, os preços de garantia ao produtor. O seguro já existe, mas falta acabar o projeto, com a criação do fundo de catástrofe e o funcionamento pleno do resseguro. A legislação do crédito rural é de 1965. É preciso atualizá-la. O segundo pilar é a estrutura e a logística. Precisamos priorizar as estradas, as ferrovias e os portos por onde passa o maior volume de produção. O terceiro é o investimento em tecnologia. Temos a melhor tecnologia tropical do planeta, mas não podemos ficar deitados em louros. O quarto: uma política de comércio exterior muito mais agressiva, com ações do governo e do setor privado. O quinto: um programa de defesa sanitária, para controlar a febre aftosa, as doenças de plantas que inibem o mercado. O sexto: uma revisão ampla do aparato legal sobre o campo – desde o direito de propriedade a questões trabalhistas e ambientais.
ÉPOCA – De que forma isso poderá beneficiar as exportações do Brasil?
Rodrigues – Um estudo recente da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) mostra que a oferta mundial de alimentos terá de crescer 20% nos próximos dez anos para atender ao aumento da demanda. O Brasil terá um papel fundamental. A produção de alimentos no país terá de crescer 40% no período, o dobro da média mundial. Isso mostra um cenário extremamente promissor para nós. O problema é que o país não tem estratégia. O que me faz chorar é isso. O mundo espera isso de nós e nós não nos oferecemos ao mundo. Precisamos aproveitar a oportunidade.
"O aumento da demanda global de alimentos e biocombustíveis oferece uma oportunidade histórica para o agronegócio brasileiro"
ÉPOCA – Fala-se muito também sobre a exportação de biocombustíveis, mas até hoje pouca coisa aconteceu. Isso é viável?
Rodrigues – O aumento do consumo de combustíveis será ainda maior que o de alimentos porque os países emergentes ainda têm poucos carros. Os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão têm 61 carros leves para cada 100 habitantes. A China e a Índia têm mais de um terço da população do planeta e três carros velhos a cada 100 habitantes. O aumento do uso da agroenergia é inevitável. Por que você acha que gigantes mundiais como Bunge, Dreyfus, Cargill, BP, Total e Shell vieram produzir etanol e derivados aqui nos últimos anos? Pelo nosso lindo mercado interno? Não. Elas vieram aprender aqui para fazer lá fora.
ÉPOCA – Faz sentido o Brasil voltar a ser um grande exportador de commodities?
Rodrigues – Pensando na agricultura de alimentos, temos de agregar muito mais valor a nossas exportações. Não quero exportar apenas soja para a China nem só o óleo ou o farelo. Quero exportar frango, a carne de porco, o leite em pó, que é resultante da soja e do milho. Isso passa por duas vertentes: uma é dinheiro, crédito; a outra, acordo comercial. Não adianta nada agregar valor no café e não negociar com os supermercados na Europa. O Brasil exporta um terço do café verde do mundo e quase nada de café torrado e moído. A Alemanha e a Itália dominam 60% do mercado de café torrado e moído. Precisamos fazer acordos comerciais com distribuidores.
ÉPOCA – Como conciliar a expansão do agronegócio com o meio ambiente?
Rodrigues – Você quer algo mais sustentável que o agronegócio brasileiro? Nos últimos 20 anos, a área plantada com grãos no país cresceu 25%. Temos 47 milhões de hectares cultivados com grãos no Brasil. Enquanto isso, a produção cresceu 154%. Se tivéssemos hoje a produtividade de 20 anos atrás, precisaríamos de 50 milhões de hectares a mais de floresta ou Cerrado. A agricultura brasileira é tão sustentável que preservou 50 milhões de hectares de mata.
ÉPOCA – O que o senhor acha do novo Código Florestal que está em discussão no Congresso?
Rodrigues – Acho que o projeto que está tramitando no Congresso é aquele que foi possível fazer com equilíbrio, com bom-senso. A maior prova disso é que ninguém gostou dele. Mas ele proíbe o desmatamento de um único hectare de cerrado – e isso é um fator de limitação para o crescimento do agronegócio. Não quero dizer que a produtividade por hectare não possa crescer mais. Mas isso tem um limite, porque a tecnologia custa muito mais caro do que abrir o Cerrado. Deve haver uma reavaliação disso, se o Brasil quiser essa estratégia. Se não quiser, aí é outro problema. Por isso acho que o assunto não está fechado.
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