O Estado de S. Paulo
Editorial
O governo federal está usando botox nas suas contas. Inventou um jeito de gastar, endividar-se e deixar o resultado fiscal mais bonito. A Petrobrás ainda vai precisar de muitos anos para começar a explorar comercialmente o pré-sal, mas sua capitalização já rende benefícios ao governo. A operação de embelezamento contábil envolve o BNDES e o Fundo Soberano do Brasil (FSB).
O resultado previsto inclui uma receita não tributária de uns R$ 30 bilhões para o Tesouro, a obtenção mais fácil do superávit primário programado para o ano e um resultado neutro no endividamento líquido. A dívida bruta aumentará, naturalmente, mas em Brasília não se dá muita importância a esses detalhes prosaicos da realidade.
O BNDES comprará ações da Petrobrás com financiamento da União. Para conceder esse crédito, o Tesouro foi autorizado a emitir papéis da dívida pública no valor de até R$ 30 bilhões. A emissão foi autorizada pela Medida Provisória n.º 505, assinada em 24 de setembro. O texto saiu no Diário Oficial do dia 27 e foi republicado, com retificação, no dia seguinte.
Com esse empréstimo se realizará a primeira parte da operação. O banco deverá ao Tesouro um montante igual ao valor dos títulos, acrescido de um custo equivalente à Taxa de Juros de Longo Prazo. Assim, a dívida líquida não será aumentada e os analistas, segundo o cálculo do governo, continuarão julgando a situação do Tesouro tão boa quanto antes.
Mas especialistas divergem dessa interpretação. A dívida bruta crescerá e não há como descartar esse fato. O exame das contas públicas, na maior parte dos países, tem como referência a dívida representada por todos os papéis emitidos. É uma questão de bom senso. O governo poderá desperdiçar seus créditos ou simplesmente não recebê-los, mas continuará tendo de pagar a dívida bruta. É essa, compreensivelmente, a perspectiva dos credores.
O outro lance da operação envolve as transações contábeis entre o Tesouro, os agentes financeiros do governo e a Petrobrás. A União vende à empresa 5 bilhões de barris de petróleo do pré-sal, ao preço total de R$ 74,8 bilhões. A Petrobrás paga esse montante ao Tesouro. Ao mesmo tempo, a empresa vende ações no mesmo valor. Mas o Tesouro compra apenas uma parte desses papéis, gastando US$ 45 bilhões. O resto é comprado pelo BNDES e pelo FSB.
A diferença - cerca de R$ 30 bilhões - entre o total vendido pela Petrobrás e a parcela comprada pelo Tesouro é um ganho fiscal para o governo. Esse valor é contabilizado como parte do superávit primário. Com isso, fica muito mais fácil atingir a meta fixada para o ano, um resultado primário equivalente a 3,3% do PIB.
Até julho, o superávit primário de todo o setor público ficou em apenas 2% do PIB, por causa do grande aumento dos gastos governamentais. O resultado teria sido pior, se os lucros das estatais não reforçassem as contas. Mas o ministro da Fazenda e o secretário do Tesouro têm reiterado sua confiança na obtenção do resultado fiscal programado para o ano. Mas essa previsão não se baseia num plano de contenção dos gastos do governo.
Ao contrário, o Tesouro deverá continuar gastando livremente nos próximos meses. Novas despesas foram autorizadas há poucos dias, com base numa reavaliação da receita e na expectativa de um resultado um pouco menos negativo nas contas da Previdência. Um governo comprometido com a austeridade aproveitaria essa oportunidade para ajustar suas contas. Nem seria necessário um sacrifício significativo. Bastaria não gastar o dinheiro extra.
A nova transferência de até R$ 30 bilhões será somada aos R$ 180 bilhões emprestados ao BNDES pelo Tesouro desde o ano passado. Numa declaração recente, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, havia dado por encerradas essas operações de ajuda ao banco. Talvez estivesse sendo sincero naquela ocasião. Nesse caso, terá mudado de ideia com uma rapidez notável. Mas isso é compreensível. Estranho, mesmo, seria o governo adotar uma política fiscal mais séria neste momento.
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