sexta-feira, 2 de maio de 2014

CADA UM NO SEU NÍVEL - PARASHÁ EMOR 5774

"Havia um rabino que era famoso por seu extraordinário poder de concentração. Quando ele estava imerso em seu estudo ou em suas Tefilót (rezas), ele não via nem escutava absolutamente nada do que acontecia ao seu redor.

Certa madrugada, quando o rabino estava imerso em seus estudos, seu pequeno bebê acordou assustado e começou a berrar. Apesar de o berço estar muito próximo dele, a concentração era tanta que ele não escutou o filho chorando. Os berros eram tão altos que o avô, que estava no andar superior da casa estudando, escutou. Ele interrompeu seus estudos, desceu e acalmou o bebê. Mais tarde, o avô repreendeu o pai do bebê:

- Filho, não importa o quão elevado sejam seus interesses espirituais ou o quão impressionante seja o seu nível de concentração nos estudos, você sempre deve escutar o choro de um filho"

Independente do nível espiritual que uma pessoa atinge, ela precisa estar ciente de seus deveres e necessita checar, o tempo inteiro, se está cumprindo suas obrigações na vida.

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Nesta semana lemos a Parashá Emor, que começa trazendo várias leis específicas para os Cohanim (sacerdotes), entre elas algumas obrigações que eles têm a mais do que o resto do povo, como a proibição de se impurificar com mortos que não tem nenhum grau de parentesco e a proibição de se casar com alguns tipos de mulheres, como uma divorciada. Depois disso a Parashá traz as leis referentes especificamente ao Cohen Gadol (Sumo Sacerdote), que também tem suas obrigações a mais do que os Cohanim simples, como a proibição de se impurificar com qualquer morto, inclusive seus próprios pais, e a proibição de casar com mais alguns tipos de mulheres, como uma viúva, que é permitida para os Cohanim simples mas é proibida ao Cohen Gadol. Porém, por que estas diferenças nas obrigações? Não viemos todos ao mundo para fazer o mesmo trabalho espiritual? Por que D'us criou esta "divisão", cuja consequência é que parte do povo tem mais obrigações do que o resto, ao invés do que aparentemente seria o mais justo, que todos tivessem exatamente as mesmas obrigações e cobranças?

Explica o Rav Meir Rubman (Israel, século 20) que a Parashá está nos ensinando uma regra espiritual importante: não existe uma obrigação espiritual padrão, que se aplica para todas as pessoas. Cada um está obrigado a servir D'us de acordo com os seu nível espiritual. Assim começa o livro Messilat Yesharim, de autoria do Rav Moshe Chaim Luzzato (Itália, 1070 –-Israel, 1746): "A fundação da Santidade e a raiz da perfeição no serviço Divino é que se esclareça e seja reconhecido como verdade para o ser humano qual a sua obrigação no seu mundo". Por que o Rav Moshe Chaim Luzzato escreve "no seu mundo" e não apenas "no mundo"? Para nos ensinar que cada pessoa tem uma obrigação única e particular. E isto se aplica mesmo a uma pessoa que está em um nível muito elevado e que dedica o seu tempo exclusivamente ao estudo da Torá, pois enquanto não estiver claro para ela qual é sua obrigação no seu mundo, isto é, sua obrigação particular de acordo com o seu nível, ela se assemelha àquele que construiu uma casa sem fundações ou plantou uma árvore sem raízes, e certamente não chegará à perfeição.

O Talmud (Shabat 33b) nos ensina este conceito através de uma história interessante. O Rav Shimon Bar Yochai e seu filho, Rav Elazar, quando precisaram se esconder dos romanos para salvar suas vidas, passaram 12 anos em uma caverna, imersos o tempo inteiro no estudo da Torá. Quando finalmente saíram, a primeira coisa que viram foi um homem trabalhando no campo. Irritados, exclamaram: "Este homem abandonou a vida eterna para se ocupar com a vida passageira?". Todos os lugares para onde eles olhavam imediatamente se queimavam. Saiu uma Voz Celestial e disse para eles: "Vocês saíram para destruir Meu mundo? Voltem imediatamente para a caverna". Como castigo, apesar do perigo romano já ter terminado, o Rav Shimon Bar Yochai e seu filho precisaram voltar para a caverna por mais um ano.

Aprendemos do Talmud que o Rav Shimon Bar Yochai e seu filho foram punidos por terem ficado irritados com aquele homem que trabalhava no campo. Mas eles não estavam certos? Nossos sábios explicam que o propósito da nossa vinda para este mundo é o nosso crescimento espiritual, adquirirmos a vida eterna no Olam Habá (Mundo Vindouro) através do estudo da Torá e do cumprimento das Mitzvót, e não para nos ocuparmos com coisas passageiras, cujos frutos não levaremos quando chegar o momento de partir deste mundo. Então por que eles foram castigados?

A resposta é que o Rav Shimon Bar Yochai e seu filho julgaram o mundo inteiro de forma rigorosa demais, pois cobraram dos outros de acordo com o nível particular deles próprios. Para eles, de acordo com o nível espiritual que haviam atingido, realmente era um erro abandonar a "vida eterna", isto é, o estudo da Torá, para se ocupar com a "vida passageira", isto é, as ocupações mundanas. Mas o resto do mundo não estava no mesmo nível espiritual, e por isso se ocupavam com a "vida eterna" parte do dia, mas precisavam também se ocupar com a "vida passageira". O que o Rav Shimon Bar Yochai não havia entendido é que para o nível da grande maioria das pessoas, é isto o que D'us quer delas, com o único cuidado de nunca dar mais importância para as ocupações mundanas do que para a ocupação espiritual.

Infelizmente repetimos muitas vezes o erro do Rav Shimon Bar Yochai e do seu filho quando cobramos dos outros que se comportem da mesma maneira como nos comportamos. Olhamos todos aqueles que fazem menos do que nós como se fossem pessoas pequenas e não estivessem cumprindo suas obrigações. Consideramos-nos melhores que os outros, e isto pode nos levar ao orgulho, uma das características mais negativas do ser humano. A Parashá nos ensina a buscarmos qual é o nosso verdadeiro nível espiritual e a refletirmos sobre qual é, de acordo com este nível, a nossa obrigação. Devemos cobrar apenas de nós mesmos, não dos outros.

Mas fica ainda uma pergunta: se aprendemos que quanto mais elevada espiritualmente a pessoa está, maior a cobrança, então não é melhor sermos pequenos?

Quando um novo funcionário é contratado para começar em um pequeno cargo na empresa, suas obrigações ainda não são muitas. Conforme ele vai crescendo, a cobrança sobre ele também vai aumentando. Por exemplo, quando o funcionário que lacra as embalagens vai para casa, ele pode se esquecer do trabalho e pensar em outras coisas, mas quando o presidente vai para casa, ele precisa levar a empresa junto com ele na cabeça. Então será que vale a pena ser presidente? A resposta é obviamente que sim. Em primeiro lugar, pois o presidente é aquele que vai fazer a diferença na empresa. Um bom presidente pode fazer a empresa crescer e se tornar líder no mercado, enquanto o funcionário que lacra as caixas pouco tem a acrescentar na empresa como um todo. Além disso, outra diferença marcante é o salário que cada um deles recebe no final do mês. Enquanto um deles recebe um pequeno salário, o presidente recebe um enorme salário e uma série de regalias.

Esta é a resposta para o nosso questionamento: quanto mais alto espiritualmente uma pessoa chega, maiores serão suas obrigações, mas também maiores serão seus méritos e recompensas. Por exemplo, nossos sábios ressaltam que os Cohanim têm 24 Mitzvót a mais do que as outras pessoas. Por outro lado, os Cohanim têm direito a 24 tipos diferentes de "Matanót Kehuná" (presentes dados apenas aos Cohanim). Coincidência? Não, pois de acordo com as obrigações, assim também são as recompensas que uma pessoa recebe. E se esta diferença acontece com as recompensas no mundo material, que são apenas passageiras, certamente será muito maior a diferença de méritos no Olam Habá daqueles que conseguirem crescer espiritualmente e se destacar.

Devemos acrescentar todos os dias bons atos e estar sempre crescendo espiritualmente, de forma que nosso nível hoje seja sempre maior do que o nosso nível de ontem. E, acima de tudo, é muito importante a reflexão constante, para termos sempre a certeza de que, de acordo com o nosso nível, estamos cumprindo nossas obrigações.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
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Lv 21:1-24:23, Ez 44:15-31
 

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