Uma destas histórias ocorreu com um homem que tinha um escritório nas Twin Towers. Depois de a primeira torre ter sido atingida, o homem, que trabalhava na segunda torre, recebeu um telefonema. Era sua mãe, desesperada, pedindo para que ele saísse imediatamente do prédio. O homem tentou acalmar a mãe, informando que uma equipe havia checado a segurança da segunda torre e tinha chegado à conclusão de que não havia nenhum perigo permanecer ali. Mas a mãe não se deu por vencida e, com um tom de voz ainda mais aflito, falou para o filho:
- Filho, não me importa o que diz a equipe de segurança. Eu ficarei mais tranquila se você sair daí agora. Por favor, me escute!
- Mãe, eu entendo sua preocupação, mas tenho muito trabalho para fazer. Está tudo bem, não se apavore, não vai acontecer nada de mal - respondeu o filho.
Tragicamente, poucos minutos depois deste telefonema a segunda torre também foi atingida por um avião. Aquele homem, que havia sido alertado por sua mãe, acabou morrendo na explosão” (História Real).
Infelizmente vemos o quanto a falta de sensibilidade em relação à importância de honrar os outros traz consequências negativas, algumas vezes trágicas, principalmente quando deixamos de honrar e escutar nossos próprios pais.
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Nesta semana lemos a Parashá Shemini, que descreve a cerimônia de inauguração do Mishkan e o início do trabalho de Aharon e seus quatro filhos como os Cohanim (sacerdotes) responsáveis por todos os serviços do Mishkan. Mas no auge da alegria da inauguração aconteceu uma enorme tragédia: os dois filhos mais velhos de Aharon, Nadav e Avihu, morreram, como está escrito: “[Nadav e Avihu] trouxeram diante de D’us um fogo estranho, que Ele não havia ordenado a eles. E veio um fogo diante de D’us e os consumiu, e eles morreram diante de D’us” (Vayikra 10:1,2). A causa da morte de Nadav e Avihu, como explicita a Torá, foi por eles terem oferecido um incenso “estranho”, isto é, que não havia sido comandado por D’us.
Porém, há um Midrash (parte da Torá Oral) que traz outros motivos para a morte de Nadav e Avihu. De acordo com uma opinião, eles morreram por terem tomado uma decisão sem consultar seu professor, Moshé Rabeinu. De acordo com uma segunda opinião, eles morreram porque entraram no Mishkan para servir a D’us embriagados, após terem bebido vinho. E de acordo com uma terceira opinião, eles morreram porque haviam decidido não se casar e, consequentemente, não ter filhos.
Deste Midrash ficam duas dúvidas. Em primeiro lugar, por que o Midrash traz motivos tão diferentes daquele explicitamente escrito na Torá, de que a morte de Nadav e Avihu foi consequência deles terem oferecido um incenso que D’us não havia comandado? E por o Midrash apresenta opiniões aparentemente tão desconectadas entre si?
Responde o Rav Moshe Schreiber (Alemanha, 1762 - Áustria, 1839), mais conhecido como Chatam Sofer, que as causas apontadas pelo Midrash não estão desconectadas entre si, pois são todas consequências de um único erro: o fato de Nadav e Avihu terem decidido não se casar e não ter filhos. Mas isto foi um erro tão grave? E como este erro se relaciona com os outros erros, mencionados na Torá e no Midrash?
Existem na Torá muitas Mitzvót relacionadas com a necessidade de honrar as pessoas, como a Mitzvá de honrar os pais e a Mitzvá de honrar nossos professores. Há também Mitzvót relacionadas com a necessidade de honrar D’us, como as leis de comportamento dentro do Mishkan e, atualmente, as leis de conduta dentro da sinagoga. Mas como desenvolvemos esta sensibilidade em relação à importância de respeitar as pessoas e D’us? Explica o Chatam Sofer que uma das formas é através da convivência com os nossos próprios filhos. Por exemplo, quando um pai é desrespeitado pelo seu filho, ele sente o quanto a falta de respeito é incômoda. Isto ajuda a pessoa a refletir e a internalizar a importância de respeitar os pais, professores e, acima de tudo, D’us.
Por isso, quando Nadav e Avihu decidiram não se casar e não ter filhos, isto os impediu de desenvolver a apreciação correta da necessidade de honrar os outros. A consequência foi que eles tropeçaram em diversas áreas relacionadas ao respeito. Ignorar a opinião de Moshé e decidir algo sem consultá-lo indica uma falha em dar a honra necessária ao seu professor. Também entrar no Mishkan embriagados demonstra uma falha em dar a devida honra para a Presença Divina que residia ali. E finalmente, ao oferecer um incenso que D’us não havia pedido, apesar das boas intenções, demonstrou uma falta de suficiente temor e respeito por D’us. Portanto, a decisão equivocada de não casar e não ter filhos resultou em diferentes erros, cujo ponto em comum de todos eles foi a falha em honrar tanto o próximo quanto D’us.
Explica o Rav Yonatan Guefen que este ensinamento da Parashá nos desperta para a importância do cuidado necessário no nosso relacionamento com as pessoas. Para pessoas que vivem sem os conceitos da Torá, os relacionamentos interpessoais são vistos com a ótica de “o que eu posso ganhar com este relacionamento?”, e isto se aplica tanto nas amizades quanto no casamento e na criação dos filhos. Portanto, o que as pessoas buscam nos relacionamentos é algo egoísta, e talvez isto explique por que os casamentos e as relações entre pais e filhos têm se degradado tanto nas últimas gerações. Se a meta da pessoa em um relacionamento é primariamente algo egoísta, então seus desejos e esperanças vão inevitavelmente se chocar com os do seu companheiro ou filhos, que também estarão movidos apenas por desejos egoístas. Mais do que isso, muitas pessoas sentem que casar ou ter filhos vai impedi-las de aproveitar os prazeres da vida e, por isso, acabam fugindo destes compromissos, em sua busca de prazeres e conforto. Isto pode ser percebido nas festas de “despedida de solteiro”, como se para os noivos fosse uma última oportunidade de aproveitar os verdadeiros prazeres da vida, o que não será mais possível depois do casamento.
O Chatam Sofer ressalta que um dos principais propósitos de ter filhos é para nos possibilitar crescer em áreas nas quais não seria possível de outra maneira. O mesmo se aplica ao casamento e outros tipos de relacionamento. A visão da Torá é que a pessoa deve entrar em um relacionamento de maneira desinteressada, isto é, focando em como podemos ajudar aos outros e, ao mesmo tempo, como podemos crescer espiritualmente com este relacionamento e nos tornarmos pessoas melhores. Este crescimento pode ocorrer com as partes “agradáveis” dos relacionamentos, mas muitas vezes ocorre através da superação das dificuldades que surgem.
Em última instância, nossos relacionamentos com as pessoas nos ajudam a crescer espiritualmente em todas as áreas da vida e a nos conectar com D’us. Aquele que aprende a honrar o próximo vai se desenvolver e aprender a honrar D’us da maneira correta. Portanto, é importante nos esforçarmos para construir relacionamentos desinteressados e verdadeiros com as pessoas, mesmo que para isso seja necessário diminuir um pouco nosso nível de conforto. Somente assim, com a somatória dos bons momentos e das dificuldades, chegaremos a ser verdadeiramente pessoas completas.
SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Lv 9:1-11:47, 2 Sm. 6:1-7:17, At. 10: 9-22, 34-35
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