Certa vez o Rav Elazar Menachem Man Shach zt"l, o Rosh Yeshivá (Diretor espiritual) da Yeshivá de Ponovitch, em Bnei Brak, e um dos maiores sábios de Torá de sua geração, pediu para que um de seus alunos, chamado Yaacov, fosse procurado na sinagoga e trazido para sua sala. Quando o jovem chegou, o Rav Shach perguntou a ele sobre um certo comentário feito por um grande sábio de Torá, e questionou se o rapaz sabia onde este comentário poderia ser encontrado, já que ele não o estava encontrando. O jovem, muito contente de poder ajudar o Rosh Yeshivá, explicou onde se encontrava aquele comentário.
A história se espalhou por toda a Yeshivá, dando a Yaacov um novo status. Ele havia sido chamado pessoalmente pelo Rosh Yeshivá, um dos maiores rabinos da geração, para responder uma dúvida de Torá! As pessoas passaram a olhá-lo com respeito e admiração. Porém, a história não conseguiu "enganar" a todos. Uma pessoa muito próxima do Rav Shach, que o conhecia profundamente, sabia que ele tinha um conhecimento gigantesco da Torá e que aquele comentário questionado ao aluno certamente já era do seu conhecimento. Então por que ele havia chamado um dos alunos para responder algo que ele certamente sabia responder sozinho? Curioso, ele foi até o Rav Shach questionar sua conduta. O Rav Shach, ao ter seu "plano" descoberto por seu amigo, abriu um sorriso e explicou:
- É verdade, você tem razão, eu sabia onde estava aquele comentário. Mas eu tive um bom motivo para fazer isso. Aquele jovem que eu chamei, o Yaacov, estava noivo, porém recentemente seu noivado foi desfeito pela família da noiva. Eu tenho certeza de que isto destruiu sua autoestima, além de dificultar um futuro compromisso com outras moças. Eu o via nas aulas completamente quebrado e distante, e decidi que precisava fazer algo para ajudá-lo. Mas pelo seu estado, calculei que uma simples conversa de encorajamento não seria suficiente. Por isso eu mandei chamá-lo e perguntei algo que eu tinha certeza de que ele saberia responder, para fazer com que ele se sentisse bem e confiante. Além disso, as proporções públicas do acontecimento certamente o ajudarão a encontrar novamente uma boa moça para casar.
O Rav Shach estava certo. Depois de duas semanas o rapaz estava novamente noivo" (História Real, retirada do livro "Major Impact", de autoria do Rav Dovid Kaplan)
A grandeza dos nossos sábios pode ser verificada na sensibilidade em relação às necessidades do próximo. Não apenas na vontade de ajudar quando são procurados, mas até mesmo na sensibilidade de perceber quando a pessoa tem vergonha ou não sabe nem mesmo pedir ajuda. Este é um nível de amor ao próximo que todos nós devemos desejar atingir algum dia.
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Nesta semana começamos o último livro da Torá, Devarim. E na Parashá desta semana, Devarim, Moshé começa um longo discurso, relembrando os principais acontecimentos dos 40 anos no deserto e criticando alguns dos erros mais marcantes cometidos pelo povo judeu. Entre eles, o erro dos espiões, que ocorreu em Tishá be Av (dia nove do mês judaico de Av) e deixou esta data marcada para sempre. Como o povo judeu chorou sem razão, D'us prometeu que aquele dia se transformaria, durante toda nossa história, em um dia de choro e lamentações. E assim realmente aconteceu.
Na próxima segunda-feira de noite (15/07) começa Tishá Be Av, um dos dias mais tristes do ano. Exatamente neste dia nossos dois Templos Sagrados foram destruídos. Por isso, neste dia jejuamos e recitamos as "Kinót" (Lamentações), chorando pela enorme perda espiritual que sofremos. Mas por que chorar por algo que aconteceu há mais de 2000 anos? Nossos sábios ensinam que toda geração que não reconstruiu o Templo é como se o tivesse destruído. Isto quer dizer que estamos cometendo o mesmo erro que nossos antepassados cometeram e que causaram a destruição do Templo. Enquanto não consertarmos nossos atos, não teremos o mérito de reconstruir o nosso Templo.
Mas afinal, qual foi o erro do povo judeu que levou à destruição do Templo? Segundo o Talmud, no Tratado de Yomá (9b), nosso Segundo Templo foi destruído por causa do ódio gratuito que havia dentro do povo judeu, há mais de 2000 anos, e nunca mais foi reconstruído.
Porém, o próprio Talmud, no Tratado de Guitin (55b), dá outra explicação. O Talmud explica que Yerushalaim foi destruída por causa de um incidente que envolveu duas pessoas, Kamtza e Bar Kamtza. Uma pessoa era amiga de Kamtza e inimiga de Bar Kamtza. Ele mandou seu servo convidar Kamtza para um banquete, mas o servo se enganou e convidou Bar Kamtza. Quando o dono da festa viu Bar Kamtza, seu inimigo, sentado na mesa, ficou furioso e pediu para que ele fosse embora. Bar Kamtza, envergonhado, chegou a oferecer pagar todo o banquete para não ser humilhado em público, mas sua oferta não foi aceita e ele foi expulso. Indignado com o grande número de sábios que estavam presentes e não fizeram nada para evitar sua humilhação pública, Bar Kamtza caluniou os judeus às autoridades romanas, dando o início a vários eventos que culminaram com a destruição do Templo.
Desta fonte trazida pelo Talmud no Tratado de Guitin surgem dois questionamentos. Em primeiro lugar, por que está escrito que Jerusalém foi destruída por causa de Kamtza e Bar Kamtza? Segundo a história descrita pelo Talmud, a culpa foi apenas de Bar Kamtza, e Kamtza, cujo nome foi confundido, aparentemente em nada participou do problema. Então por que está escrito no Talmud que ele também teve culpa? Além disso, como entender a aparente contradição entre os motivos trazidos pelo Tratado de Yomá e o Tratado de Guitin? Em um está explícito que o motivo foi o ódio gratuito, enquanto no outro está explícito que o motivo foi a falta de preocupação com a honra do próximo. Qual a conexão entre estes dois motivos?
Explica o Rabino Yossef Chaim, mais conhecido como Ben Ish Chai, que Kamtza também estava presente no banquete. Mas apesar de testemunhar o que aconteceu com Bar Kamtza, ele se calou e não fez nada para ajudá-lo. Segundo o judaísmo, quando alguém tem a oportunidade de protestar contra uma injustiça e não o faz, é considerado como se ele mesmo tivesse cometido o mau ato. O Rav Shmuel Eidels, mais conhecido como Maharsho, vai além e explica que em hebraico a palavra "Bar" significa "filho". Bar Kamtza era, portanto, o filho de Kamtza. Sendo pai, certamente Kamtza sabia muito bem do ódio que havia entre seu filho e o dono da festa, mas não se esforçou para que houvesse paz entre eles. Por sua passividade, Kamtza é considerado como parcialmente responsável pela destruição do Templo, junto com todos os sábios que também estiveram presentes no banquete e não se levantaram para protestar contra a humilhação pública de Bar Kamtza.
Deste ensinamento do Talmud em Guitin aprendemos algo impressionante para nossas vidas. Quando escutamos o termo "ódio gratuito", imaginamos duas pessoas que se odeiam com todas as suas forças, ódio que muitas vezes pode levar até mesmo a agressões físicas. Mas a verdade é que o conceito de ódio gratuito é muito mais amplo, não se restringe somente a um ódio ativo. Não há contradição entre as duas explicações que o Talmud traz sobre o motivo da destruição do Templo. Passividade e falta de interesse nas necessidades do próximo também são consideradas ódio gratuito.
Este conceito pode ser aprendido da própria Torá. Segundo o Rav Tzadok HaCohen, a primeira vez em que uma palavra aparece na Torá define o seu verdadeiro significado. A primeira vez em que a raiz da palavra "Siná", que significa ódio, aparece na Torá, é em relação a um dos nossos patriarcas, Yaacov Avinu. Depois que Yaacov casou-se com Rachel e Lea, a Torá nos conta: "D'us viu que Lea era 'snuá' (literalmente, odiada)" (Bereshit 29:31). Mas como entender este versículo? Yaacov, um dos pilares espirituais do mundo, odiava sua própria esposa?
Responde o Ramban (Nachmanides) que antigamente, um homem tinha permissão de se casar com mais de uma mulher. E, entre duas esposas, aquela que ele menos amava era chamada de "snuá". Portanto, não quer dizer que Yaacov odiava Lea, simplesmente ele a amava menos do que sua esposa favorita, Rachel. Daqui aprendemos que a palavra "Siná" não necessariamente significa um ódio ativo. Ódio gratuito também se refere à falta de atenção para alguém que precisa, falta de amor entre as pessoas. A apatia diante de uma pessoa que está precisando de ajuda, a omissão diante de uma pessoa necessitada, também estão contidas no ódio gratuito. Se alguém na festa tivesse se levantado e lutado para evitar que uma injustiça acontecesse, o Templo não teria sido destruído. A indiferença das pessoas em relação às tragédias que ocorrem com os outros foi o que causou esta apatia e, consequentemente, a destruição.
Tishá Be Av é uma época de introspecção, um momento de refletirmos sobre os nossos erros. O fato de não termos o Beit Hamikdash nos nossos dias significa que continuamos cometendo o mesmo erro dos nossos antepassados. Isto significa que não nos esforçamos para sentir a dor do próximo, para ajudar aqueles que necessitam. A cura do ódio gratuito é o amor gratuito. Não precisamos esperar as pessoas virem pedir ajuda, precisamos desenvolver a sensibilidade de sentir quando uma pessoa precisa de auxílio, mesmo sem ela precisar falar nada. O coração de uma mãe sempre sabe quando um filho precisa de ajuda, pelo enorme amor que ela sente por ele. Assim precisamos nos esforçar para sentir a dor e a necessidade das outras pessoas.
Que possamos consertar nossos erros para que, neste próximo Tishá Be Av, ao invés de chorarmos pela destruição do nosso Templo, possamos nos alegrar pela sua reconstrução.
SHABAT SHALOM e TZOM KAL (Um jejum leve para todos)
Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
DEUTERONÔMIO 1:1-3:22, Is.1:1-27, 1 Tm. 3: 1-7 (Shabat Chazon) |
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