- Não sei, Vossa majestade.
Os olhos do rei brilharam de raiva. Amigo ou não, mesmo sendo conselheiro do rei, como aquele homem ousava brincar com Sua Majestade? Irado, o rei ordenou aos seus guardas que levassem o conselheiro para a prisão. No final do dia, quando a fúria do rei já havia passado, ele pensou consigo mesmo: "Preciso conversar com meu conselheiro. Afinal, este homem é tão sábio e sempre me aconselha de maneira tão correta. Provavelmente sua intenção não foi de zombar do rei. Talvez haja uma explicação razoável para o seu comportamento". Decidiu então visitar o conselheiro em sua cela e questionar o seu comportamento.
- Como você ousou zombar do rei com tanto descaramento? – perguntou duramente o rei.
- D'us me livre, minha intenção nunca foi zombar de Vossa majestade – respondeu o Rav Yonatan Eibshitz, com expressão muito séria – mas o rei não perguntou para onde eu estava planejando ir, somente perguntou para onde eu estava indo. Eu realmente não sabia para onde estava indo. Isto ficou mais claro ainda agora. Veja, hoje de manhã eu tinha planejado ir para a sinagoga rezar e estudar, mas em vez disso eu vim para a prisão.
O rei sorriu e, mais uma vez, aprendeu uma enorme lição com seu sábio conselheiro"
Temos que lembrar sempre que é D'us que controla tudo o que acontece, cada pequeno detalhe. Mas apesar de não controlarmos nem mesmo nossa própria vida, muitas vezes achamos que podemos controlar também a vida dos outros.
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Na Parashá desta semana, Vaetchanan, a Torá lista novamente os Dez Mandamentos, que foram entregues a Moshé no Monte Sinai. Mas percebemos algo interessante quando observarmos atentamente os Mandamentos. No sétimo Mandamento está escrito: "Não cometerás adultério" (Devarim 5:17), enquanto no décimo Mandamento está escrito "Não cobiçarás a mulher do próximo, não desejarás a casa do próximo, nem seu campo, nem seu escravo..." (Devarim 5:18). Aparentemente estes dois Mandamentos estão ensinando a mesma coisa, pois se o sétimo Mandamento já proibiu o adultério, por que foi necessário escrever, no décimo Mandamento, a proibição de cobiçar a mulher do próximo?
Além disso, há uma diferença entre os dois Mandamentos. No Mandamento de "Não cometerás adultério", não está escrito "com a mulher do próximo", isto é, a Torá não escreve explicitamente que se trata de uma transgressão envolvendo uma mulher casada. Mas no Mandamento de "Não cobiçarás", a Torá enfatiza o status de casada da mulher desejada. Por que esta diferença?
Estes questionamentos se conectam, de maneira interessante, com os testes que Avraham Avinu passou na vida. Está escrito no Pirkei Avót (Ética dos Patriarcas 5:3) que Avraham Avinu foi testado por 10 vezes e passou por todos os testes. Explica o Rambam (Maimônides) que o propósito de um teste é dar para a pessoa a consciência do seu próprio potencial. A partir do momento em que uma pessoa passou por um teste e percebeu seu potencial, não há mais nenhum sentido em repetir o mesmo teste. Mas sabemos que Sara foi raptada por duas vezes, uma vez pelo Faraó, rei do Egito, e outra vez por Avimelech, rei dos Plishtim. Segundo muitos comentaristas, cada sequestro de Sara é contado separadamente como um dos testes de Avraham. Mas se o Pirkei Avót diz explicitamente que ele teve sucesso nos 10 testes, então por que D'us fez com que ele passasse duas vezes pelo mesmo teste?
Podemos responder esta pergunta prestando atenção nos detalhes descritos em cada uma das vezes em que Sara foi sequestrada. Quando Avraham e Sara se aproximaram do Egito, ele pediu para que ela dissesse que era sua irmã, pois havia percebido o quanto a beleza de Sara contrastava com a das mulheres do Egito. Avraham notou que os egípcios eram tão dominados pelos seus desejos materiais que sua própria vida corria risco, pois os egípcios eram pessoas imorais e promíscuas, certamente estariam dispostos a matá-lo para ficar com sua esposa. E suas suspeitas se mostraram verdadeiras, pois logo que eles chegaram ao Egito, Sara foi sequestrada por oficiais egípcios e entregue ao Faraó. Já nos versículos que descrevem o sequestro de Sara pelo rei Avimelech, não há menção da beleza de Sara ter sido o fator motivador da transgressão. Explica o Rav Nissim, mais conhecido como Ran, que o sequestro foi motivado pelo desejo de Elimelech de incorporar um membro da família de Avraham em sua casa. Avimelech sequestrou Sara motivado pelo desejo de poder e dominação. Ele estava usando seu poder de rei para afirmar-se sobre Avraham, tomando à força um membro de sua família como sua esposa.
Portanto, os dois sequestros de Sara são dois testes diferentes de Avraham, pois desenvolveram diferentes sensibilidades nele. A vítima do primeiro sequestro era Sara, e o teste de Avraham era a maneira como ele reagiria à perda de sua amada esposa. Já a vítima do segundo sequestro era Avraham, sobre quem Avimelech estava tentando exercer seu poder e controle, um teste completamente diferente. Os próprios nomes dos reis representam a motivação de cada um deles. O nome "Faraó", em hebraico, vem da raiz "Parua", que significa "nu, imoral", enquanto o nome "Avimelech" significa "o pai do poder".
Esta explicação nos ajuda a entender que há uma diferença entre o sétimo e o décimo Mandamentos. Explica o Rav Yochanan Zweig que o adultério pode ocorrer por dois motivos diferentes: pode ser por um desejo descontrolado, uma atração física muito forte, como aconteceu com o Faraó, mas também pode ser pelo desejo de exercer controle sobre o marido da mulher casada, como aconteceu com Avimelech. O décimo Mandamento, "Não cobiçarás", está enfatizando a proibição de controlar outra pessoa. Por isso, neste Mandamento a Torá lista as coisas com as quais a pessoa cria mais conexão: sua esposa, sua casa, seu campo e seus escravos. A Torá também ressalta neste Mandamento o status de comprometimento da mulher, pois este é o fator motivador da transgressão, isto é, a vontade de exercer controle sobre o próximo. Já o sétimo Mandamento se refere ao ato de adultério motivado pelo desejo físico. Por isso, embora a transgressão só ocorra realmente se a mulher for casada, o status marital da esposa é deixado de lado e não é nem mesmo mencionado, pois o fator motivador principal, neste caso, é a busca por desejos.
Estamos acostumados a ver o invejoso apenas como alguém que está insatisfeito com o que tem e quer tirar o que é do outro. Mas a Parashá nos ensina algo impressionante: a inveja também é motivada pela vontade de querer controlar o próximo, envolve também a utilização do poder e da influência para dominar e controlar outras pessoas. Este sentimento vem da falta de entendimento de que o mundo tem um Criador, que criou e mantém o mundo a cada instante com supervisão particular. Vem da prepotência de pensar que somos nós que temos o controle. Pois aquele que sabe que nem mesmo da sua própria vida ele tem controle, como vai querer controlar a vida dos outros?
Novamente vemos a grandeza dos ensinamentos dos nossos sábios, que declararam: "A inveja, a busca pelos desejos e a honra tiram a pessoa do mundo" (Pirkei Avót 4:28). Estas são três transgressões tão terríveis que fazem com que a pessoa se desvie, perdendo o seu mundo material e seu mundo espiritual. Perdem o seu mundo material, pois se autodestroem com atos motivados por sentimentos e desejos duvidosos. E perdem o seu mundo espiritual, pois acumulam transgressões. Não é por acaso que os Dez Mandamentos terminam com a inveja. O "Não cobiçarás" é tão forte que engloba todos os outros Mandamentos anteriores. Quem sente inveja pode acabar roubando, matando e até mesmo cometendo idolatria. Pois não há idolatria pior do que pensar que somos nós que estamos no controle, e não D'us.
SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Dt. 3:23·7:11, Is. 40:1-26, Mc. 12: 28-34 (Shabat Nachamú)
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