Os Asseret Iemei Teshuvá são os dias entre Rosh Hashaná e Yom Kipur, quando todos os nossos atos passam diante de D'us e somos julgados se merecemos mais um ano de vida. São dias onde cada pequena Mitzvá e cada arrependimento pelos nossos maus atos pode fazer uma grande diferença. Mas como fazer para sentir, na prática, que este momento é tão decisivo? Há uma história sobre o rabino Israel Meir HaCohen, mais conhecido como Chafetz Chaim, que nos ensina como os grandes do nosso povo faziam para despertar seus corações.
Certa vez, durante os Asseret Iemei Teshuvá, um dos alunos do Chafetz Chaim viu que ele subiu sozinho para uma sala no alto da sinagoga, se trancou e começou a falar sozinho em voz alta. Curioso, o aluno aproximou-se da porta da sala para escutar o que ele dizia. O Chafetz Chaim estava descrevendo o que estaria acontecendo em seu próprio julgamento no Tribunal Celestial naquele momento. Primeiro ele convocou os anjos brancos, os advogados de defesa, criados através de cada Mitzvá e bom ato feito durante o ano, e descreveu a enorme quantidade de anjos que se apresentavam diante do Juiz. Depois ele convocou os anjos negros, os advogados de acusação, criados quando havia feito alguma Mitzvá sem a devida intenção ou quando havia cometido algum erro, e também descreveu a enorme quantidade de anjos que se apresentaram. Finalmente ele descreveu que os anjos subiram na balança, mas que esta não pendeu para nenhum dos dois lados, mostrando que o julgamento estava equilibrado. Então o Chafetz Chaim descreveu uma voz celestial que dizia: "Ser mortal, aproveite que você ainda está vivo para se arrepender e consertar os seus erros". Ao pronunciar estas palavras, o Chafetz Chaim começou a chorar sem parar.
Assim o Chafetz Chaim conseguiu chegar a níveis espirituais tão elevados. Ele trabalhava, com todos os seus sentidos e utilizando a força de sua imaginação, para sentir no coração o que ele entendia racionalmente.
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Nesta semana lemos duas Parashiót juntas, Acharei Mót e Kedoshim. A Parashá Acharei Mót descreve os serviços realizados pelo Cohen Gadol (Sumo Sacerdote) em Yom Kipur, o Dia do Perdão, o único dia em que ele podia entrar na parte mais sagrada do Templo Sagrado, o Kodesh Hakodashim. Era um local de muita santidade, onde ficava o Aron Hakodesh (Arca Sagrada). Já a Parashá Kedoshim lista diversas Mitzvót "Bein Adam Lehaveiró" (entre o homem e seu semelhante).
Assim começa a Parashá Acharei Mót: "E disse D'us para Moshé, depois da morte dos dois filhos de Aharon, quando eles se aproximaram diante de D'us e morreram. E D'us disse para Moshé: Fale com Aharon, seu irmão – ele não deve entrar em todos os momentos no Santuário... para que não morra" (Vayikrá 16:1,2). D'us estava advertindo Aharon, o Cohen Gadol, a nunca entrar no Kodesh Hakodashim sem a Sua permissão, pois caso contrário ele morreria. Mas qual a relação entre esta proibição e a morte de adav e Avihu, os dois filhos mais velhos de Aharon?
Explicam nossos sábios que os filhos de Aharon morreram justamente por terem entrado no Kodesh Hakodashim sem a permissão de D'us. Agora que D'us estava ensinando a Aharon as leis do serviço do Mishkan (Templo Móvel), Ele relembrou a morte dos seus filhos para ressaltar a gravidade e as pesadas consequências deste tipo de erro.
Rashi, comentarista da Torá, compara esta advertência de D'us a um doente que recebe a visita de dois médicos. O primeiro médico examina o doente, identifica a doença e o proíbe de consumir bebidas geladas, pois isto traria perigo à sua vida. Já o segundo médico é mais direto e, ao identificar a doença, relembra ao doente que daquela mesma doença morreu outra pessoa conhecida, justamente por não ter se cuidado em não tomar coisas geladas. Certamente o doente escuta o segundo médico com muito mais atenção, pois consegue sentir de forma mais clara o perigo que corre se não escutar as orientações médicas. Assim também foi com Aharon, D'us quis ressaltar o perigo de entrar no Kodesh Hakodashim sem permissão relembrando da morte de seus filhos.
Mas é um pouco difícil entender a comparação, trazida pelo Rashi, de Aharon com um doente diante do médico. O doente muitas vezes acha que sabe tudo e, por isso, não precisa escutar os conselhos médicos. São comuns casos de doenças que se agravam justamente pelos pacientes não terem seguido à risca as orientações do médico. Portanto, muitas vezes é necessário e justificável que o médico coloque medo no coração de um paciente mais desleixado, para que ele não seja imprudente em seus atos, colocando sua vida em risco. Mas Aharon, que era um gigante espiritual e cumpria com exatidão tudo o que D'us lhe comandava, precisava deste "reforço"? Não era suficiente D'us apenas avisá-lo da proibição?
Ensinam os nossos sábios que daqui aprendemos uma importante lição: há uma enorme distância entre o nosso intelecto e o nosso coração. Muitas vezes pensamos que é suficiente saber o que é correto e o que é incorreto, e automaticamente nossas ações serão de acordo com as nossas convicções. Mas a verdade é que apenas saber algo não é suficiente para que se transforme em atitudes. Vemos isto na prática todos os dias, em exemplos nos quais nosso bem mais importante, a nossa própria vida, é colocada em risco de maneira estúpida. Por exemplo, todos sabem que dirigir em alta velocidade ou embriagado é um grande perigo para a vida do motorista e dos outros em volta, mas os casos de acidentes com motoristas embriagados ou imprudentes aumentam cada vez mais.Todos sabem que o cigarro causa diversas doenças graves, algumas fatais, mas o número de fumantes aumenta a cada dia. Por que, se é tão racional e lógico, as pessoas não conseguem mudar seus maus hábitos? Pois sabemos as coisas racionalmente, mas não conseguimos colocá-las no coração.
Este conceito também se aplica na forma como vivemos nossas vidas cotidianas. Sabemos que vivemos por tempo limitado, que um dia vamos morrer e deixar este mundo, e ninguém sabe quando será este momento, como ensina Shlomo Hamelech: "Nenhum ser humano sabe sua hora, como um peixe que foi pego na rede ou um pássaro que foi preso na armadilha" (Kohelet 9:12). Shlomo Hamelech ressalta a fragilidade da vida humana que, como um peixe apanhado na rede, pode terminar de um momento para o outro. Se isto é tão óbvio, deveríamos aproveitar cada instante da vida. Por que deixamos tantas coisas importantes para depois? Por que dedicamos tanto tempo buscando aquisições materiais quando sabemos que deveríamos estar adquirindo espiritualidade? Pois apesar de sabermos racionalmente que não vamos viver para sempre, nosso coração nos faz sentir como se nunca fossemos morrer.
Em alguns raros momentos despertamos desta "anestesia". Por exemplo, quando vamos ao cemitério acompanhar o enterro de algum conhecido ou escapamos com vida de algum acidente ou doença grave. Por que? Pois nestes casos o conceito da morte não fica apenas no intelectual, ela entra em nosso coração. O choque psicológico faz com que possamos sentir a morte de perto, não como algo hipotético, mas como algo real, como ensina Shlomo Hamelech: "É melhor ir ao cemitério do que ir a uma festa" (Kohelet 7:2). Na festa nós aproveitamos e nos divertimos, mas é no cemitério que despertamos para o fato de que a vida é limitada e, portanto, precisamos aproveitá-la.
Explica o Rav Yaacov Neiman que este é o ensinamento que a Torá nos ressalta nas primeiras palavras da Parashá. Realmente Aharon era um gigante espiritual, certamente entenderia racionalmente que não podia entrar no Kodesh Hakodashim sem permissão. Mas D'us não queria que Aharon soubesse apenas racionalmente, Ele queria deixar marcado em seu coração este ensinamento, de uma maneira mais forte, de forma que nunca seria esquecido. Por isso mencionou a morte de seus filhos, para que ele utilizasse seus sentidos e colocasse em seu coração as terríveis consequências deste erro.
Também temos que trabalhar muito para que as nossas convicções se transformem realmente em atos. É necessário muito esforço e reflexão, pois um ensinamento somente entra em nosso coração quando o repetimos diversas vezes. Esta é a maneira de despertar da sonolência e da anestesia. Esta é a única maneira de crescer espiritualmente. Saber não é suficiente, é necessário sentir em nosso coração cada uma das nossas certezas. Precisamos lembrar, a cada instante, a fragilidade e a limitação da nossa vida, para que possamos aproveitar cada segundo para crescer um pouco mais.
SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Lv 16:1-18:30, 1Co 6:9-20
Lv 19:1-20:27, Ez 20:2-20, Mt 5:43-48
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