"O Rav Yehuda Zev Segal zt"l (Inglaterra, 1910 - 1993), Rosh Yeshivá (Diretor espiritual) de Manchester, certa vez criticou publicamente certa organização. Sua opinião encontrou uma enorme resistência das pessoas, e muitos se declararam abertamente contra ele. Apesar de toda a repercussão negativa, o Rav Segal estava convicto de suas palavras e se manteve firme em seu posicionamento.
Algum tempo depois, um dos diretores daquela organização que havia sido criticada resolveu visitar o Rav Segal para discutir com ele o assunto. Quando o homem chegou à Yeshivá, recebeu do Rav Segal um presente. O homem abriu o pacote e viu que era um livro, o "Sefer Chafetz Chaim", e notou que na primeira página estava escrito uma calorosa Brachá (benção) a ele. O homem ficou atônito, sem entender por que seu "adversário", que estava falando de forma tão dura contra sua organização, agora o estava presenteando e lhe dando tantas Brachót. O Rosh Yeshivá, ao perceber o questionamento nos olhos do homem, explicou:
- Aprendi a me comportar desta maneira com o Rav Israel Salanter zt"l (Lituânia, 1810 - Prússia, 1883). Escutei que sempre que ele se envolvia em um debate ideológico com alguém, antes ele presenteava a pessoa, para deixar claro que a discordância era puramente ideológica e não havia nada pessoal envolvido"
Esta é a forma como devemos nos comportar. Mesmo nos casos em que seja realmente justificável se envolver em algum tipo de discussão, temos que deixar claro que não se trata de algo pessoal.
Algum tempo depois, um dos diretores daquela organização que havia sido criticada resolveu visitar o Rav Segal para discutir com ele o assunto. Quando o homem chegou à Yeshivá, recebeu do Rav Segal um presente. O homem abriu o pacote e viu que era um livro, o "Sefer Chafetz Chaim", e notou que na primeira página estava escrito uma calorosa Brachá (benção) a ele. O homem ficou atônito, sem entender por que seu "adversário", que estava falando de forma tão dura contra sua organização, agora o estava presenteando e lhe dando tantas Brachót. O Rosh Yeshivá, ao perceber o questionamento nos olhos do homem, explicou:
- Aprendi a me comportar desta maneira com o Rav Israel Salanter zt"l (Lituânia, 1810 - Prússia, 1883). Escutei que sempre que ele se envolvia em um debate ideológico com alguém, antes ele presenteava a pessoa, para deixar claro que a discordância era puramente ideológica e não havia nada pessoal envolvido"
Esta é a forma como devemos nos comportar. Mesmo nos casos em que seja realmente justificável se envolver em algum tipo de discussão, temos que deixar claro que não se trata de algo pessoal.
***********************************************
Nesta semana lemos a Parashá Korach, cujo tema central é a rebelião de Korach contra seu primo Moshé e as trágicas consequências desta grave transgressão. A rebelião de Korach é citada como o modelo de "Machloket" (discussão, disputa) que não é "Leshem Shamaim" (em nome dos Céus), como está escrito: "Toda Machloket que é Leshem Shamaim está destinada a se manter; mas aquela que não é Leshem Shamaim não está destinada a se manter. Qual é a Machloket que é Leshem Shamaim? A Machloket entre Hilel e Shamai. E qual é a Machloket que não é Leshem Shamaim? A Machloket de Korach e seu grupo" (Pirkei Avót 5:17). Nossos sábios estão ensinando que a Machloket de Korach foi apenas por motivos egoístas e interesses pessoais.
Porém, este ensinamento do Pirkei Avót levanta um grande questionamento. Aparentemente Korach e seu grupo confrontaram Moshé com questões ideológicas genuínas, não simplesmente ataques pessoais. Segundo o que a Parashá escreve explicitamente, Korach argumentou que todo o povo judeu era sagrado, pois todos haviam pessoalmente escutado D'us no momento da entrega da Torá no Monte Sinai. Portanto, de acordo com esta lógica, Moshé e Aharon não tinham o direito de pegar para si as duas maiores posições da nação. Korach e seu grupo alegavam que deveria haver uma divisão igualitária de poder entre todos do povo judeu, e alguns poucos não deveriam ser mais beneficiados do que outros. Apesar de, em última instância, haver uma grave falha na lógica de Korach, pois a escolha de Moshé e Aharon havia sido Divina, sua rebelião estava aparentemente baseada em argumentos racionais e na luta por igualdade. Então por que o Pirkei Avót afirma, com tanta convicção, que a Machloket de Korach não era Leshem Shamaim?
A resposta está em um Midrash (parte da Torá Oral), que afirma que a verdadeira motivação de Korach era atacar pessoalmente Moshé e Aharon. Korach esperava ser o próximo na linha de liderança da família "Kehati", uma das famílias da tribo de Levi, e ficou extremamente irritado e decepcionado quando seu primo, Elizafan, que era mais novo do que ele, foi o indicado para a posição. Este foi o verdadeiro motivo que desencadeou em Korach a vontade de se rebelar contra a liderança de Moshé e Aharon, um motivo egoísta e baseado nos seus próprios interesses.
Portanto, de acordo com as palavras do Midrash, fica claro que a luta ideológica de Korach e sua força de argumentação eram, na realidade, apenas um pretexto para encobrir seu desejo por honra. Korach se apresentou como sendo um "defensor do povo", alguém que buscava a igualdade entre todos, mas na verdade ele estava apenas buscando seus próprios interesses egoístas. Infelizmente tudo o que Korach conseguiu foi causar a si mesmo, à sua família e aos seus seguidores terríveis castigos aplicados diretamente por D'us.
Mas por que a Torá nos deixa a impressão de que havia uma lógica na argumentação de Korach, a ponto de ser necessário um Midrash para esclarecer que a sua Machlóket não era Leshem Shamaim? Pois se perguntássemos a Korach se ele considerava seus atos Leshem Shamaim, ele certamente responderia, sem sombra de dúvidas, que sim. Ele se convenceu, e convenceu outras pessoas, de que estava certo em sua Machloket, e racionalizou que seus atos eram justificáveis e corretos. Korach queria a grandeza, mas terminou em total esquecimento.
Há muitas lições que podemos aprender de Korach, mas uma das principais é que uma pessoa pode se convencer de que está agindo Leshem Shamaim quando critica os outros, enquanto está apenas sendo enganada pelo seu Yetzer Hará (má inclinação). Muitas vezes acreditamos que estamos defendendo a verdade, e estamos dispostos a ir até o fim por ela. Porém, este comportamento vem sempre acompanhado de um grande risco, como ocorreu com Korach, de que a motivação verdadeira por trás dos nossos atos é apenas o egoísmo, que pode desencadear uma Machloket que não é Leshem Shamaim e causar danos a todos os envolvidos.
É muito fácil encontrar justificativas para criticar pessoas, ou até mesmo grupos inteiros, utilizando a premissa de que é permitido por ser "Leshem Shamaim". Entretanto, é necessário um grande esforço de autoavaliação para termos a certeza de que estamos realmente agindo com as motivações corretas. De acordo com o Rav Isroel Meir HaCohen zt"l (Bieloríssia, 1838 – Polônia, 1933), mais conhecido como Chafetz Chaim, para que palavras que denigrem outro ser humano não sejam consideradas Lashon Hará (maledicência), não é suficiente que apenas traga benefício para quem está escutando. Ele enumera sete condições que devem ser preenchidas para nos permitir expressar qualquer tipo de crítica sobre outra pessoa. Uma destas condições, talvez uma das mais difíceis de serem cumpridas, é que aquele que faz a crítica não pode sentir absolutamente nenhuma satisfação por estar criticando o próximo. E para entender o quanto esta condição é difícil, basta refletirmos sobre quantas vezes na vida conseguimos fazer alguma crítica sem nenhum sentimento interno de satisfação com a vergonha causada àquele sobre quem estamos falando.
De acordo com o Rav Yehonasan Gefen, se não tomarmos muito cuidado, podemos facilmente cair nas armadilhas do Lashon Hará e gerar uma Machloket que não é Leshem Shamaim. Isto já causou, durante a história do povo judeu, com que diferentes grupos judaicos se olhassem entre si com desprezo, um rotulando o outro de maneira negativa. Este tipo de erro pode não parecer tão grave, mas de acordo com o Rav Naftali Tzvi Yehuda Berlin zt"l (Rússia, 1816 - Polônia, 1893), mais conhecido como Netziv, foi este tipo de atitude que levou à destruição do nosso Segundo Templo. Apesar das pessoas daquela geração serem grandes Tzadikim (Justos), que se dedicavam ao estudo da Torá, eles acabaram desenvolvendo um ódio gratuito em seus corações, e qualquer um que agia de forma diferente do que eles achavam correto era imediatamente rotulado como "Apikoires" (negador de D'us). Se passados mais de dois mil anos ainda não tivemos o mérito de reconstruir nosso Templo, é sinal de que continuamos tropeçando neste mesmo erro, geração após geração. Precisamos dar um basta e terminar este terrível círculo vicioso de ódio gratuito que, apesar de ser muito grave, vem sempre disfarçado de "discussão Leshem Shamaim".
Então qual é a maneira correta de lidar com uma discordância de opinião? A resposta está no Pirkei Avót: "Qual é a Machloket que é Leshem Shamaim? A Machloket entre Hilel e Shamai". As discussões entre Hilel e Shamai, dois dos maiores sábios de sua geração, e posteriormente entre os alunos de Hilel e os alunos de Shamai, apesar de terem sido muito intensas, foram consideradas Leshem Shamaim por não envolverem motivações pessoais, e sim somente o desejo verdadeiro de chegar à "Emet" (verdade). Uma das provas de que as discussões eram Leshem Shamaim é que, conforme o Talmud (Yevamot 13b), apesar de eles discutirem fortemente em várias áreas da Halachá (Lei Judaica), isto não impediu que seus filhos se casassem entre si. Não há nada de errado em discordar, mas somente se a discordância é baseada em um desejo sincero de chegar à Emet. Pois se for assim, as duas partes não vão confundir diferenças ideológicas com hostilidades pessoais.
O principal é sempre fazer uma separação entre o indivíduo e seu comportamento ou conduta. Alguém pode errar, e mesmo assim continuar sendo uma boa pessoa. Fazer esta separação não é uma tarefa fácil, e por isso precisamos melhorar muito na área de "Bein Adam LeHaveiró" (entre o homem e seu semelhante), através de muito estudo de Torá, para aprendermos a olhar as outras pessoas da maneira correta, mesmo quando elas estiverem agindo de uma maneira que julgamos ser errada. O "ódio gratuito", que destrói nossos relacionamentos, destruiu também o nosso Templo Sagrado. Somente com o devido cuidado com o próximo poderemos começar a consertar este erro que causa, há tantos séculos, muita dor e sofrimento.
Porém, este ensinamento do Pirkei Avót levanta um grande questionamento. Aparentemente Korach e seu grupo confrontaram Moshé com questões ideológicas genuínas, não simplesmente ataques pessoais. Segundo o que a Parashá escreve explicitamente, Korach argumentou que todo o povo judeu era sagrado, pois todos haviam pessoalmente escutado D'us no momento da entrega da Torá no Monte Sinai. Portanto, de acordo com esta lógica, Moshé e Aharon não tinham o direito de pegar para si as duas maiores posições da nação. Korach e seu grupo alegavam que deveria haver uma divisão igualitária de poder entre todos do povo judeu, e alguns poucos não deveriam ser mais beneficiados do que outros. Apesar de, em última instância, haver uma grave falha na lógica de Korach, pois a escolha de Moshé e Aharon havia sido Divina, sua rebelião estava aparentemente baseada em argumentos racionais e na luta por igualdade. Então por que o Pirkei Avót afirma, com tanta convicção, que a Machloket de Korach não era Leshem Shamaim?
A resposta está em um Midrash (parte da Torá Oral), que afirma que a verdadeira motivação de Korach era atacar pessoalmente Moshé e Aharon. Korach esperava ser o próximo na linha de liderança da família "Kehati", uma das famílias da tribo de Levi, e ficou extremamente irritado e decepcionado quando seu primo, Elizafan, que era mais novo do que ele, foi o indicado para a posição. Este foi o verdadeiro motivo que desencadeou em Korach a vontade de se rebelar contra a liderança de Moshé e Aharon, um motivo egoísta e baseado nos seus próprios interesses.
Portanto, de acordo com as palavras do Midrash, fica claro que a luta ideológica de Korach e sua força de argumentação eram, na realidade, apenas um pretexto para encobrir seu desejo por honra. Korach se apresentou como sendo um "defensor do povo", alguém que buscava a igualdade entre todos, mas na verdade ele estava apenas buscando seus próprios interesses egoístas. Infelizmente tudo o que Korach conseguiu foi causar a si mesmo, à sua família e aos seus seguidores terríveis castigos aplicados diretamente por D'us.
Mas por que a Torá nos deixa a impressão de que havia uma lógica na argumentação de Korach, a ponto de ser necessário um Midrash para esclarecer que a sua Machlóket não era Leshem Shamaim? Pois se perguntássemos a Korach se ele considerava seus atos Leshem Shamaim, ele certamente responderia, sem sombra de dúvidas, que sim. Ele se convenceu, e convenceu outras pessoas, de que estava certo em sua Machloket, e racionalizou que seus atos eram justificáveis e corretos. Korach queria a grandeza, mas terminou em total esquecimento.
Há muitas lições que podemos aprender de Korach, mas uma das principais é que uma pessoa pode se convencer de que está agindo Leshem Shamaim quando critica os outros, enquanto está apenas sendo enganada pelo seu Yetzer Hará (má inclinação). Muitas vezes acreditamos que estamos defendendo a verdade, e estamos dispostos a ir até o fim por ela. Porém, este comportamento vem sempre acompanhado de um grande risco, como ocorreu com Korach, de que a motivação verdadeira por trás dos nossos atos é apenas o egoísmo, que pode desencadear uma Machloket que não é Leshem Shamaim e causar danos a todos os envolvidos.
É muito fácil encontrar justificativas para criticar pessoas, ou até mesmo grupos inteiros, utilizando a premissa de que é permitido por ser "Leshem Shamaim". Entretanto, é necessário um grande esforço de autoavaliação para termos a certeza de que estamos realmente agindo com as motivações corretas. De acordo com o Rav Isroel Meir HaCohen zt"l (Bieloríssia, 1838 – Polônia, 1933), mais conhecido como Chafetz Chaim, para que palavras que denigrem outro ser humano não sejam consideradas Lashon Hará (maledicência), não é suficiente que apenas traga benefício para quem está escutando. Ele enumera sete condições que devem ser preenchidas para nos permitir expressar qualquer tipo de crítica sobre outra pessoa. Uma destas condições, talvez uma das mais difíceis de serem cumpridas, é que aquele que faz a crítica não pode sentir absolutamente nenhuma satisfação por estar criticando o próximo. E para entender o quanto esta condição é difícil, basta refletirmos sobre quantas vezes na vida conseguimos fazer alguma crítica sem nenhum sentimento interno de satisfação com a vergonha causada àquele sobre quem estamos falando.
De acordo com o Rav Yehonasan Gefen, se não tomarmos muito cuidado, podemos facilmente cair nas armadilhas do Lashon Hará e gerar uma Machloket que não é Leshem Shamaim. Isto já causou, durante a história do povo judeu, com que diferentes grupos judaicos se olhassem entre si com desprezo, um rotulando o outro de maneira negativa. Este tipo de erro pode não parecer tão grave, mas de acordo com o Rav Naftali Tzvi Yehuda Berlin zt"l (Rússia, 1816 - Polônia, 1893), mais conhecido como Netziv, foi este tipo de atitude que levou à destruição do nosso Segundo Templo. Apesar das pessoas daquela geração serem grandes Tzadikim (Justos), que se dedicavam ao estudo da Torá, eles acabaram desenvolvendo um ódio gratuito em seus corações, e qualquer um que agia de forma diferente do que eles achavam correto era imediatamente rotulado como "Apikoires" (negador de D'us). Se passados mais de dois mil anos ainda não tivemos o mérito de reconstruir nosso Templo, é sinal de que continuamos tropeçando neste mesmo erro, geração após geração. Precisamos dar um basta e terminar este terrível círculo vicioso de ódio gratuito que, apesar de ser muito grave, vem sempre disfarçado de "discussão Leshem Shamaim".
Então qual é a maneira correta de lidar com uma discordância de opinião? A resposta está no Pirkei Avót: "Qual é a Machloket que é Leshem Shamaim? A Machloket entre Hilel e Shamai". As discussões entre Hilel e Shamai, dois dos maiores sábios de sua geração, e posteriormente entre os alunos de Hilel e os alunos de Shamai, apesar de terem sido muito intensas, foram consideradas Leshem Shamaim por não envolverem motivações pessoais, e sim somente o desejo verdadeiro de chegar à "Emet" (verdade). Uma das provas de que as discussões eram Leshem Shamaim é que, conforme o Talmud (Yevamot 13b), apesar de eles discutirem fortemente em várias áreas da Halachá (Lei Judaica), isto não impediu que seus filhos se casassem entre si. Não há nada de errado em discordar, mas somente se a discordância é baseada em um desejo sincero de chegar à Emet. Pois se for assim, as duas partes não vão confundir diferenças ideológicas com hostilidades pessoais.
O principal é sempre fazer uma separação entre o indivíduo e seu comportamento ou conduta. Alguém pode errar, e mesmo assim continuar sendo uma boa pessoa. Fazer esta separação não é uma tarefa fácil, e por isso precisamos melhorar muito na área de "Bein Adam LeHaveiró" (entre o homem e seu semelhante), através de muito estudo de Torá, para aprendermos a olhar as outras pessoas da maneira correta, mesmo quando elas estiverem agindo de uma maneira que julgamos ser errada. O "ódio gratuito", que destrói nossos relacionamentos, destruiu também o nosso Templo Sagrado. Somente com o devido cuidado com o próximo poderemos começar a consertar este erro que causa, há tantos séculos, muita dor e sofrimento.
SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm
Rav Efraim Birbojm
Nm. 16:1-18:32, 1 Sm. 11:14-12:22
Nenhum comentário:
Postar um comentário