"Carlos entrou na sala do
psicólogo, visivelmente irritado, para sua primeira consulta. Deitou-se no divã,
mas não conseguiu relaxar. Tentando começar uma conversa amigável, o psicólogo
perguntou:
- Boa tarde, Sr. Carlos. Em que posso ajudá-lo? Algum problema
em especial? Algo o incomoda?
- Vou ser sincero, doutor - responde Carlos
- Não sei nem mesmo porque estou aqui. Minha família me trouxe à força. Eles
dizem que eu estou ficando louco, mas não é verdade, eu sou completamente
normal.
- Está bem - riu o psicólogo - Mas o que a sua família diz sobre
o seu comportamento? Por que eles estão incomodados a ponto de achar que você é
louco?
- Eles é que são loucos, doutor - continuou afirmando Carlos, já
um pouco mais exaltado - Eles dizem que eu sou megalomaníaco, que estou com
mania de grandeza. Mas você pode ver que não é verdade!
- Está bem, fique
calmo - tranquilizou o psicólogo – Para que possamos nos conhecer, me conte um
pouquinho da sua vida. Comece do princípio.
- Bom, doutor - disse Carlos,
com um grande sorriso - No primeiro dia eu criei os Céus e a
Terra..."
Pode parecer uma grande piada, mas muitas vezes nos comportamos
assim. Esquecemos o quanto somos pequenos e sentimos que temos controle de tudo,
como se fossemos D'us. Mas a verdade é que não controlamos absolutamente
nada.
********************************************Na
Parashá desta semana, Vaetchanan, a Torá traz alguns dos versículos que compõe o
Shemá Israel, a nossa maior declaração de Emuná (fé) e amor por D'us, que
recitamos duas vezes por dia. E entre outros ensinamentos, estes versículos
falam sobre a Mitzvá de colocar uma Mezuzá nas portas de nossas casas, como está
escrito: "E as escreverá nos batentes de sua casa e nos seus portões" (Devarim
6:9).
A Mitzvá de Mezuzá tem algumas particularidades interessantes que a
diferem das outras Mitzvót da Torá. Em geral, o objeto utilizado para cumprir a
Mitzvá dá nome à Mitzvá. É o que ocorre, por exemplo, nas Mitzvót do Shofar e
Tefilin. Mas a Mitzvá da Mezuzá é diferente, pois a palavra "Mezuzá" significa
literalmente "batente". Isto quer dizer que o objeto por si só, isto é, o
pergaminho que contém os versículos do Shemá Israel, não define o nome da
Mitzvá. O que dá o nome à Mitzvá é o batente, que é apenas o local onde o
pergaminho é colocado. Comparando com outras Mitzvót, isto soa tão estranho
quanto chamar a Mitzvá do Tefilin de "Mitzvá do braço".
Além disso, o
Talmud (Baba Metzia 102a) nos ensina que quando alguém se muda de uma casa e
sabe que os próximos inquilinos também serão judeus, ele é obrigado a deixar as
Mezuzót fixadas nas portas e não pode retirá-las para levar para sua nova casa.
O Talmud descreve o caso de um homem que tirou as Mezuzót de sua casa e teve uma
punição muito rigorosa. Comparando com outras Mitzvót, isto seria como obrigar
uma pessoa que se muda de casa a deixar seus Tefilin, seu Talit e seus livros de
Torá para o próximo inquilino judeu. Por que a Mitzvá da Mezuzá é tão diferente
das outras Mitzvót e a punição daquele que tira as Mezuzót de sua casa é tão
rigorosa?
E finalmente, a Torá nos conta um detalhe interessante sobre
Ruth, uma mulher nobre do povo de Moav que abandonou uma vida de conforto e
tranquilidade para se converter ao judaísmo. E pelo seu ato tão elevado, ela
teve o mérito de ser a bisavó de David Hamelech (Rei David). Quando a sogra de
Ruth, Naomi, decidiu deixar a terra de Moav e voltar para Israel, Ruth decidiu
que iria junto com ela e que se converteria ao judaísmo, como está escrito:
"Onde você for, eu irei. E onde você dormir, eu dormirei. Seu povo é meu povo,
seu D'us é meu D'us" (Ruth 1:16). Para testar se as intenções de Ruth eram
realmente sinceras, Naomi tentou dissuadi-la, mencionando as Mitzvót que ela
seria obrigada a cumprir caso realmente quisesse se converter. Explica o Midrash
(Ruth Raba 2:23) que uma das Mitsvót mencionadas foi a Mezuzá. Qual o motivo de
mencionar esta Mitzvá, aparentemente fácil de cumprir, na tentativa de testar a
verdadeira intenção de alguém que quer se converter?
Explica o Rav
Yohanan Zweig que a maioria das sociedades vive apenas focada em seus próprios
direitos. As passeatas e greves exigindo direitos se multiplicam, enquanto os
deverem são deixados cada vez mais de lado. Um caso clássico de descaso com o
direito dos outros tem repetidamente acontecido em São Paulo. Trechos da Avenida
Paulista são tomados, quase diariamente, por manifestações dos mais diversos
grupos exigindo seus direitos. Mas estes grupos não se importam que este tipo de
manifestação, na maior avenida de São Paulo, interfere na vida de centenas ou
milhares de pessoas, que perdem o seu direito de ir e vir.
Se este
descaso com os nossos deveres já acontece nas ruas, ainda pior é o efeito que
acontece dentro de nossas casas. Quando as pessoas estão nas ruas, elas sabem
que não podem fazer o que querem, pois existem as leis do país. Citando como
exemplo o trânsito, as pessoas sabem que não podem dirigir da maneira que
desejam. Mas na privacidade de suas casas, a pessoa acha que é soberana, isto é,
que nenhuma autoridade pode decidir o que ele pode ou não pode fazer entre
quatro paredes. O ser humano sente que é o rei em sua própria casa, que tem o
domínio e pode tomar suas próprias decisões e atitudes sem que ninguém
interfira. Para que todos saibam quem tem o controle sobre a casa, é comum que
as pessoas escrevam o nome da família na porta ou no batente, demarcando o seu
território.
Mas esta não é a forma como se comporta o povo judeu. Vivemos
o tempo inteiro com a consciência da presença de D'us. Não há nenhum momento em
nossas vidas que sentimos que estamos sozinhos e, portanto, isentos de seguir
regras. Mesmo quando estamos dentro de casa, sabemos que há um Criador que vê
tudo e controla tudo, e por isso devemos nos comportar de acordo com as Suas
leis. Portanto, esta é a grande importância da Mitzvá de Mezuzá. Quando
colocamos a Mezuzá no batente de nossas portas, é como se estivéssemos
escrevendo na nossa porta o nome de D'us, declarando que, apesar de ser um
domínio particular, o nosso próprio "reinado", é Ele quem tem domínio sobre o
lugar, Ele é a verdadeira autoridade daquela morada. Assim deve ser a casa de um
judeu.
Naomi sabia que Ruth vinha de uma sociedade idólatra e decadente,
onde as pessoas realmente acreditavam que tinham o controle total dentro de suas
próprias casas, que podiam fazer o que quisessem sem nenhuma prestação de
contas. Então Naomi advertiu Ruth que, caso ela quisesse se converter, deveria
mudar sua forma de viver a vida, mesmo quando estivesse na privacidade de sua
casa. Por isto Naomi mencionou a Mezuzá, para ressaltar que o comportamento de
um judeu deve ser diferente, pois mesmo entre quatro paredes nós continuamos com
a obrigação de cumprir as Mitzvót de D'us.
Quando uma pessoa muda-se de
casa e deixa para trás as suas Mezuzót fixadas nas portas, ela está afirmando
que esta é uma casa que pertence a D'us. Mas quando a pessoa tira suas Mezuzót,
ela está negando qualquer controle de D'us sobre aquela casa. Por isso o castigo
de alguém que arranca o "nome de D'us" de uma casa é tão rigoroso. E é por isso
que o nome da Mitzvá é "batente", pois como a Mezuzá transforma a casa em um
ambiente que pertence a D'us, o objeto da Mitzvá é a própria casa, e não apenas
o "nome" grudado na porta.
Destes ensinamentos sobre a Mezuzá aprendemos
a importância de manter a santidade e a pureza dos nossos atos, mesmo quando
estamos dentro de nossas casas, entre quatro paredes. Não há nenhum lugar e
nenhum momento do dia em que estamos isentos de cumprir a vontade de D'us, pois
é Ele que tem controle, mesmo quando estamos dentro do nosso domínio. Quando nos
comportamos como "donos da casa", estamos sendo orgulhosos. A Mezuzá nos ajuda a
ter a humildade de saber que, mesmo no nosso local de "reinado", é D'us quem
comanda sempre.
SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Dt. 3:23·7:11, Is. 40:1-26, Mt 23:31-39
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