“Quando o Campo de Concentração
de Buchenwald foi libertado pelos aliados, todas as crianças órfãs sobreviventes
foram levadas para um orfanato em Ecouis, um pequeno vilarejo da França, onde
receberam muitos cuidados e carinho da comunidade judaica local. Havia no
orfanato um total de 500 crianças e jovens que não tinham mais ninguém no
mundo.
Certa vez organizaram uma
homenagem pública aos órfãos, onde estariam presentes muitas personalidades
locais, entre eles o comandante da polícia, o comandante militar e o prefeito.
Os órfãos não quiseram ir, pois sabiam que aquela homenagem era apenas por
interesse das autoridades de fazer propaganda diante da mídia. Mas a responsável
pelo orfanato, a Sra. Rachel Mintz, insistiu para que todos fossem, e os rapazes
concordaram em comparecer, mas decidiram que não aplaudiriam e nem mesmo
levantariam seus olhos do chão quando as personalidades
discursassem.
E assim foi. 500 jovens
escutaram os discursos de cabeça baixa, sem demonstrar nenhuma emoção. Até que
subiu para discursar o último convidado. Era um senhor judeu que havia se
salvado de Aushwitz, mas tinha perdido a esposa e todos os filhos. Desde sua
libertação, ele havia dedicado todos os seus bens aos órfãos. Ele tentou começar
seu discurso, mas as lágrimas embargaram sua voz. Tentou mais uma vez, mas ele
tremia muito e as palavras não saíam. Finalmente conseguiu dizer apenas 3
palavras em Ídishe: “Filhos, queridos filhos”. Aqueles órfãos eram tudo o que
havia lhe restado na vida.
Os órfãos então levantaram pela
primeira vez seus olhos. Cada um começou, sem querer demonstrar a emoção, a
enxugar as lágrimas com a manga da camisa, olhando com vergonha para o lado para
ver se alguém tinha percebido aquela pequena lágrima escorrendo. E então, de
repente, rompeu-se a barreira. De uma só vez abriram-se as comportas, e aqueles
500 jovens choraram um choro sincero e libertador.
Em meio ao choro, levantou-se
um jovem chamado Aharon Feldberg, de 25 anos, um dos mais velhos do grupo, e
dirigiu-se aos visitantes:
- Gostaria de dizer algumas
palavras. Desejo, em nome de todos, agradecer a todos vocês. Não por terem
vindo, pois não queríamos esta visita. Não pelos presentes que nos trouxeram,
pois não estamos interessados neles. Queremos lhes agradecer pelo maior presente
que recebemos de vocês há alguns instantes, que foi a possibilidade de voltar a
chorar.
O rapaz, visivelmente
emocionado, continuou seu discurso:
- Quando os nazistas levaram
meu pai e minha mãe, eu não chorei. Eu estava seco de lágrimas. Quando diversas
vezes me golpearam no Campo de Concentração, eu mordi os lábios e não chorei. Há
anos não rio e não choro. Passamos fome, congelamos de frio, sangramos, mas não
choramos. Desde a libertação do Campo, e ainda antes dela, eu andava com a
sensação de que não sou mais uma pessoa normal. Achava que eu não tinha coração,
que não conseguiria chorar nos momentos em que é preciso chorar. Achei que eu
tinha uma pedra no peito e não um coração humano. Assim eu pensava até 5 minutos
atrás, mas não penso mais. Agora eu chorei, e bastante, e lhes digo, que quem é
capaz de chorar, poderá amanhã também rir e se alegrar. E é por isto que eu lhes
agradeço”
Esta história real, retirada do
livro “Lúlek”, uma biografia do rabino Israel Meir Lau, nos ensina que através
das lágrimas sinceras, um dia chegaremos à alegria e consolo
verdadeiros.
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Nesta semana começamos o último
livro da Torá, Devarim, também conhecido como “Mishnê Torá”, cuja tradução
literal é “Repetição da Torá”. Por que este “apelido”? Pois grande parte do
livro contém o discurso de despedida de Moshé Rabeinu antes de seu falecimento.
Para que o povo judeu aprendesse com o passado, tanto com os acertos quanto com
os erros, Moshé relembrou muitos dos acontecimentos marcantes nos 40 anos em que
o povo permaneceu no deserto.
Esta “revisão” feita por Moshé
foi certamente importante para a geração do deserto, pois foi uma preparação
para a entrada em Israel. Mas para que serve esta “revisão” para nós, mais de 3
mil anos depois? Se quisermos rever algum acontecimento, podemos simplesmente
abrir a Torá na passagem que nos interessa e ler novamente. Então para nós, qual
a importância do livro de Devarim?
A resposta é que, apesar de
conter repetições, o livro de Devarim também traz muitas novidades. Em primeiro
lugar, são ensinadas muitas Mitzvót novas, que ainda não haviam sido ensinadas
antes. Além disso, quando a Torá repete os acontecimentos, acrescenta detalhes
que ajudam a entender e a se aprofundar em alguns conceitos. É o que acontece,
por exemplo, na Parashá desta semana, Devarim, que nos ajuda a entender melhor
um dos eventos mais marcantes para o povo judeu: o pecado dos
espiões.
Na Parashá Shelach, no livro de
Bamidbar, a Torá descreve que o povo judeu, ainda no primeiro ano no deserto, se
aproximava da terra de Israel. Ao invés de confiar na promessa de D’us, que
havia garantido que a terra era boa e fértil e que eles teriam sucesso em
conquistá-la, o povo pediu para enviar espiões. A consequência foi trágica, pois
dos 12 espiões enviados, 10 voltaram falando mal da terra, causando uma histeria
coletiva e um choro de desespero. D’us então jurou: “Hoje vocês choraram sem
motivo. Este dia será fixado como um dia de choro para todas as gerações”. Este
dia era Tishá Be Av, o nono dia do mês judaico de Av.
No próximo sábado de noite
(28/07), assim que terminar o Shabat, é Tishá Be Av, um dia marcado por
tristezas e sofrimentos. Neste dia, conforme D’us havia jurado, terríveis
tragédias atingiram o povo judeu, desde as épocas bíblicas até os nossos dias.
Exatamente neste dia nossos dois Templos Sagrados foram destruídos, fomos
expulsos da Inglaterra, Espanha e Portugal, e foi o dia em que se iniciou a
Primeira Guerra Mundial. Também a queda do primeiro avião da companhia aérea
israelense El Al aconteceu justamente em Tishá Be Av. Neste dia nós jejuamos e
nos abstemos de vários tipos de prazer, como relações maritais, usar sapatos de
couro, tomar banho ou passar óleo no corpo. Será que há algo que podemos fazer
para mudar este dia tão triste e consertar o erro dos nossos
antepassados?
A Parashá Devarim é sempre lida
na semana em que cai Tishá Be Av. Um dos motivos é que nesta Parashá Moshé
relembra o erro do povo de ter chorado após o relato dos espiões, acrescentando
alguns detalhes que nos ajudam a entender um pouco melhor qual foi o erro. A
Torá diz que os judeus se desesperaram com as palavras dos espiões, que disseram
que os habitantes de Israel eram gigantes e seria impossível derrotá-los. O povo
então disse para Moshé: “Com ódio D’us nos tirou do Egito, para nos entregar nas
mãos dos Emoritas para nos destruir” (Devarim 1:27). O que significam estas
palavras? Por que os judeus achavam que D’us sentia ódio deles?
Explica o Sforno, comentarista
da Torá, que o povo judeu pensou que D’us estava bravo por causa da idolatria
que eles fizeram enquanto ainda viviam no Egito e que Ele, por causa deste ódio,
mesmo tendo poder para esmagar os Emoritas, castigaria o povo judeu entregando-o
nas mãos de seus inimigos. Por isso eles choraram tão amargamente.
Mas desta explicação do Sforno
surge uma grande pergunta. Segundo suas palavras, o choro do povo judeu foi um
choro de arrependimento por um erro cometido, isto é, um choro positivo, uma
demonstração de temor a D’us. Então por que nossos sábios dizem que este foi um
choro em vão, e que resultou em todas as catástrofes que nos atingem até
hoje?
Responde o Rav Eliahu Dessler
que realmente a motivação original do povo judeu era proveniente de uma fonte
pura de temor a D’us. Porém, o Yetzer Hará (má inclinação) conseguiu misturar
neles a falta de Bitachon (confiança em D’us), o que pode ser visto no final do
versículo: “Não podemos subir contra eles (os habitantes da terra), pois eles
são mais fortes do que nós” (Bamidbar 13:31). Rashi explica que a intenção da
frase era também incluir D’us, isto é, o povo começou a acreditar que os
habitantes da terra eram fortes demais até mesmo para D’us. O choro, uma
demonstração de sofrimento interno, foi consequência da falta de Bitachon,
causando uma rápida deterioração espiritual que os levou a se desconectar de
D’us.
O conceito de “destruição do
Beit Hamikdash (Templo Sagrado)” pode ocorrer em dois níveis: coletivo e
individual. O Beit Hamikdash era o lugar onde a presença de D’us repousava.
Quando ele foi destruído, os portões celestiais se fecharam e a Presença de D’us
se ocultou, como se Ele estivesse em exílio. Há um paralelo com o coração de
cada judeu. Existe uma faísca sagrada escondida dentro do coração de cada judeu,
como se fosse a Presença de D’us. Esta faísca não pode ser apagada nunca, por
mais assimilada e afastada que a pessoa possa estar. Mas quando a pessoa começa
a cometer transgressões e a se impurificar, ela cria uma muralha de ferro entre
esta faísca sagrada e o seu “eu” exterior. Isto causa um “exílio espiritual
interno”, quando a espiritualidade, que deveria estar revelada e brilhando, está
escondida e obscurecida. Quando isto ocorre com a maioria do povo, então é como
se a presença de D’us tivesse se afastado de nós. É um momento crítico, onde se
aproxima uma situação de extermínio espiritual. Foi nesta situação em que
ocorreu a destruição dos nossos dois Templos Sagrados, isto é, o exílio
espiritual interno causou o exílio espiritual externo.
Infelizmente hoje já não
sentimos mais a perda do Beit Hamikdash e nem a falta da espiritualidade em
nossas vidas. Aquele que não sente este vazio espiritual é porque já tem dentro
de si um “exílio espiritual”, isto é, uma muralha bloqueando seu coração. Mas ao
contrário, se a pessoa consegue sentir este vazio espiritual e sofre até o ponto
de chorar, um choro verdadeiro e sincero, significa que percebeu a ausência de
espiritualidade e conseguiu abrir uma brecha na muralha para começar a consertar
o vazio do seu coração.
Por todas as tragédias que
ocorreram neste dia, vemos Tishá Be Av de uma maneira negativa, queremos que
esta data de luto e tristeza passe rápido. Mas temos que saber que o dia de
Tishá Be Av é uma grande oportunidade de despertar espiritual. Quando D’us fixou
um choro para todas as gerações, não foi um choro de castigo, e sim um choro de
renovação, um choro de conserto espiritual. Quando conseguimos refletir e
internalizar nossa perda espiritual, o choro vem automaticamente, sem a
necessidade de nenhuma intervenção externa. Mas se não paramos para refletir,
então D’us precisa nos mandar sofrimentos e dificuldades externas, para que elas
nos causem motivos que nos façam sofrer pela perda da espiritualidade do nosso
coração. Este choro, mesmo que causado por fatores externos, é o caminho para a
redenção, tanto pessoal quanto do povo judeu como um todo.
Por que o conserto precisa vir
através de lágrimas? Pelo fato de todo o problema ser algo interno, então
necessariamente o conserto também deve ser de caráter interno. O Talmud (Brachót
32a) diz que quando o Beit Hamikdash foi destruído, todos os portões celestiais
se fecharam, com exceção do Portão das lágrimas. Com a mesma intensidade que a
pessoa se esforçar para abrir seu coração, assim serão abertos para ela os
portões celestiais.
Portanto, quando nos abstemos
dos prazeres em Tishá Be Av, junto com a leitura do Livro de Kinót
(Lamentações), que nos ajuda a construir em nossas cabeças uma imagem real da
destruição do Beit Hamikdash, é possível despertar e chegar ao choro verdadeiro,
que sai do coração. E esta é a raiz do conserto interno, que nos ajuda a revelar
a espiritualidade que estava escondida e obscurecida.
O que mais nos impressiona é
poder perceber a mão de D’us nos acompanhando em todas as gerações. Os vários
acontecimentos históricos que ocorreram justamente em Tishá Be Av, apesar de
terem sido trágicos, nos ajudam a perceber que é apenas a mão de D’us que guia
todos os acontecimentos, mesmo nos momentos de sofrimento. Se o Rei Fernando e a
Rainha Isabel, que nos expulsaram de Portugal e Espanha, soubessem quanta Emuná
(fé) eles plantaram no coração do povo judeu ao expulsá-los justamente em Tishá
Be Av, certamente teriam se arrependido de seu ato.
A nossa preparação para Tishá
Be Av é entender pelo que precisamos sofrer e para onde este sofrimento deve nos
levar. Em geral a tristeza é um sentimento perigoso, que pode nos levar ao
desânimo e a uma queda espiritual. Mas podemos utilizá-la de maneira positiva,
para fixar tempos de reflexão, para pensar na grandeza de D’us, contra quem nós
constantemente transgredimos, e possamos “quebrar” nosso coração em
arrependimento. Mas imediatamente após este arrependimento, devemos abandonar a
tristeza e voltar a colocar em nosso coração a certeza de que D’us perdoa as
transgressões e é misericordioso com aqueles que se arrependem e decidem
consertar seus caminhos. Esta é a alegria que vem imediatamente após a tristeza
de Tishá Be Av. Por isto o Shabat logo depois de Tishá Be Av é chamado “Nachamu”
(Se consolem), pois é um aviso que depois da tristeza e do choro verdadeiro vem
a alegria verdadeira.
Portanto, o propósito de
Tishá Be Av é, através da tristeza, enxergar que a destruição dos nossos dois
Templos Sagrados, que causou o exílio da Presença Divina, é apenas consequência
da nossa queda e do nosso exílio espiritual interno, a muralha de ferro que
criamos com nossos maus atos e que separa nossa faísca de Divindade do nosso
corpo material. Este choro e sofrimento é a preparação para a nossa redenção e a
fonte da alegria verdadeira e do consolo, para nós e para todo o povo
judeu.
SHABAT SHALOM
R’ Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Dt. 1:1-3:22, Is.1:1-27, At 7:51-8:4 (Shabat Chazon)
Dt. 4:25-40, Jr 8:13-9:23, Mt. 23:1-13, 16-23, 34-24:3